Problemas dentro da empresa? Bote o bode na sala!

Avelino segurando um microfone e uma camiseta preta escrita Agile. Ele é pardo, barba e cabelos grisalhos.

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Problemas dentro da empresa? Bote o bode na sala!

Você enfrenta diariamente os mesmos problemas dentro da empresa? Trabalhar neste cenário é cansativo. E a forma mais simples de lidar pode parecer, a princípio, que é se esquivar. Mas a longo prazo desvios de problemas rotineiros podem ser tão nocivos para você quanto para toda a organização.

Por isso, há bastante tempo, a K21 passou a se utilizar de um lema importante: Bote o Bode na Sala! A ideia é que, enquanto você espanta o problema de um lado para o outro, ele não poderá ser tratado.

Ou você o coloca no meio da sala, mostra que o bode está ali e, aí sim, passa a tratá-lo. Ou então você corre o risco de ver o problema arrasar a sua empresa aos poucos.

A seguir, eu conto uma história sobre as consequências de não tratar os problemas dentro da empresa. Aviso: se você identificar alguma semelhança com uma realidade conhecida, pode não ser mera coincidência…

Um conto “Bodoso”

Em um país distante, havia uma empresa grande e descolada. Todos que trabalhavam nela eram felizes, era um clima de festa constante e as manhas pareciam o despertar dos antigos desenhos da Disney.

Todos que ali trabalhavam pareciam vir de uma família de comercial de margarina. Eram sorridentes, arrumados e com aquele ar de que nada no mundo poderia estragar o dia. A única exceção era um bode que também estava na empresa.

Não era um bode qualquer, era chato, malcheiroso, desagradável e nada elegante. Por vez ou outra, quando o bode esbarrava com alguém da empresa, as pessoas ou o enxotavam, ou fingiam que ele não estava ali. Elas pensavam: “Quem sabe se eu não fizer contato visual com ele, ele vai embora?”.

Também havia pessoas que viam o bode, sentiam o cheiro do bode, ouviam o bode, mas juravam que ele não estava ali. Para elas, existir bode naquela empresa, não fazia o menor sentido.

Não se podia culpar as pessoas

O bode era muito inconveniente. Diziam até que ele tinha a mania de comer o dinheiro que a empresa ganhava. A verdade é que ninguém sabia ao certo.

Como era um ser deselegante, quando se alimentava, todos viravam a cara para não ver a nojeira. As pessoas só tinham uma certeza: o bode comia bastante, pois estava cada dia mais forte e mais inconveniente.

Um dia, a empresa contratou uma estagiária, uma jovem que parecia promissora. Fisicamente era franzina, óculos redondos, cabelos pretos, normalmente amarrados. Houve um dia em que ela se deparou com o tal bode.

Ela olhou para ele, ele olhou para ela enquanto mastigava um pedaço de papel. Parecia ser um contrato que ele havia pegado no Comercial. A estagiária exclamou em voz alta: “Gente! Tem um bode aqui e acho que ele está mastigando a nossa empresa!”.

A avaliação acertada foi ignorada pelos felizes funcionários. Afinal, quem ela pensava que era? Como a estagiária poderia acabar com aquele ambiente de paz e tranquilidade? Será que ela não havia compreendido a missão? Faltava a doutrina corporativa?

Bode, que bode?

Como ninguém olhava para o bode, só a estagiária percebeu, com o tempo, que ele começou a enfraquecer. Com o passar do tempo, foi ficando desnutrido, cara abatida, quase não se levantava.

Ela também notou que, quanto mais fraco o bode ficava, pior ficava o clima na empresa. As pessoas começaram a brigar, os departamentos começaram a se acusar, gente batendo portas… Algumas discutiam, outras choravam e outras ainda pareciam apáticas.

A estagiária pensou se o bode teria alguma coisa a ver com aquilo.

Ela andou até o comercial e viu que não havia mais contratos. O bode tinha comido todos. Ela foi até o Financeiro e viu que não tinha mais dinheiro. O bode havia comido todo. Ela foi até o RH e onde havia uma pilha de currículos, agora não havia mais nada. Apenas pedaços mordidos e largados pelo chão.

A estagiária repetiu mais uma vez: “Pessoal! O bode comeu tudo!”. E, mais uma vez, foi ignorada. Ela pegou suas coisas, agradeceu a oportunidade, deu três tapinhas na cabeça do bode e cochichou algo com ele (ninguém sabe o que foi).

Passados três dias, o bode morreu de fome, pois não havia mais nada para comer. Foi nesse mesmo dia que a outrora alegre empresa fechou suas portas e nunca mais foram abertas.

O Bode

O conto acima pode ser lúdico, mas retrata algo que, infelizmente, acontece em muitas empresas. O bode representa os problemas dentro da empresa. Imagine qualquer um deles: perda de clientes, baixa entrada de novos clientes, preços não competitivos, custos elevados, descompasso com a concorrência e o mercado, time to market muito lento etc.

Pode ser que a sua empresa tenha um bode, ou, o que é mais comum, uma fazendinha só com bodes. A pior coisa que podemos fazer com os problemas é ignorá-los. Isto é, fingir que não existem problemas dentro da empresa para não criarmos atritos com nossa equipe, nosso chefe, com os chefes dos chefes ou até mesmo clientes.

A K21 acredita que botar o bode na sala é a melhor maneira de expor problemas dentro da empresa
Adesivo da K21: Bote o bode na sala

Trazendo o bode para a conversa

Existem várias formas de trazer o bode para o centro da discussão. Aqui, apresentaremos algumas formas. Mas essa não é uma lista exaustiva, existem muitas outras formas.

Visualizando o Fluxo de Trabalho

Se você já trabalha com agilidade, já viu alguns fluxos de trabalho. São tradicionalmente mapeados em quadros físicos ou virtuais e recebem nomes, como Quadro de Tarefas (Task Boards) ou Quadro Kanban. Ele é composto por estágios que agregam valor aos produtos e serviços que o seu time desenvolve.

Quadro de Tarefas demonstrando o fluxo de trabalho de uma empresa

Por que a visualização do fluxo bota o bode na sala?

Com a visualização do fluxo, nós sabemos quanto trabalho nós temos para fazer, o quão próximo eles estão da conclusão, se o trabalho fica muito tempo parado em um estágio. Também podemos observar como está a divisão do trabalho entre a equipe, qual o impacto das dependências externas, o quão ponta-a-ponta nós somos. E, o mais interessante, onde estão os gargalos do nosso fluxo.

A visualização do fluxo de trabalho não deveria ser opcional. Ela é simples e barata, você desenha exatamente o que você tem hoje, sem tirar nem pôr. Ele não é complexo como um fluxograma, são apenas as etapas comuns ao trabalho que o seu time desenvolve.

Aliás, um grande erro quando os times tentam desenhar o fluxo de valor pela primeira vez, é começar com um estado futuro desejado. Fica bonito, todos aplaudem, mas é tão útil quanto uma cópia barata da Monalisa na parede. Ninguém vai usar, pois é irreal.

O que, de fato, irá resolver os problemas dentro da empresa: métricas

Essa é a forma mais bacana e mais ignorada pelas organizações. Enquanto a visualização é comum e as empresas correm para adotar ferramentas para fazê-la, as métricas acabam esquecidas. É um cenário interessante, todos dizem que são muito importantes, todos precisam delas, mas ninguém as têm. Quando têm, não utilizam. 

Você pergunta: “Como está a aquisição de clientes do produto X?” A resposta: “Sinto que está melhorando”. E se você questiona: “O Projeto Y tem um retorno de quanto?” Respondem: “Temos o feeling de que será estrondoso”.

Feeling?

Até hoje, só conheço uma pessoa que ganhou dinheiro com feelings (sentimentos). Foi o Morris Albert que, apesar do nome, é brasileiro e o compositor de: Feelings. Você conhece a letra:

🎵“Feelings
Nothing more than feelings
Trying to forget my feelings of love” 🎶

Se ficou com curiosidade, ouça a música completa.

Vamos retornar ao que importa de verdade

As métricas não são opcionais, são essenciais para o funcionamento de qualquer empresa, time e até mesmo de você. Confira algumas perguntas que as métricas nos ajudam a responder:

  • Quanto ganhamos no trimestre passado?
  • Qual o nível de satisfação de nossos clientes?
  • Quantos clientes perdemos no último mês?
  • Quantos clientes chegaram no último mês?
  • Quanto tempo leva entre nós nos comprometermos com algo e entregarmos isso para os clientes?
  • Em quantos itens estamos trabalhando simultaneamente?
  • Há reclamações dos clientes?
  • Produzimos muitos defeitos?
  • Nosso time está satisfeito por trabalhar aqui?

Sem as métricas, você não terá respostas, você terá sentimentos. São muito bons, é verdade, mas não pagam as contas no final do mês. Também não ajudam a demonstrar se o seu time é necessário ou não para a sua empresa.

Imagine que vocês estão correndo uma maratona (42,20 Km). Em que ponto da corrida vocês estão?

Gráficos

Métricas são como uma foto. Dizem como você está naquele momento. Já gráficos são filmes. Eles contam uma história sobre o que aconteceu até chegarmos ali. Há diversos gráficos que são muito importantes, como:

  • Histograma de Lead time
  • Cumulative Flow Diagram (CFD ou Gráfico de Fluxo Cumulativo, em tradução livre)
  • Gráfico comparativo de clientes ativos, aquisições e churn, e muitos outros.
Exemplo de histograma de lead time

Antes de você escolher um gráfico, sugiro considerar esses 6 pontos:

  1. Qual história você quer contar? São muitas histórias possíveis. A melhor é aquela que endereça o pior bode que está na sala.
  2. Por que você quer contar essa história? Ele deve ser útil para gerar ações. Caso contrário, vale o já citado quadro da cópia barata da Monalisa.
  3. Para quem você vai contar a história? Seu time pode querer ver todos os detalhes. Mas seu chefe tem que olhar para outros times, e não tem tempo para todos os detalhes. Os chefes dos seus chefes querem menos detalhes ainda, além de mais respostas.
  4. Como você contará essa história? Existem vários formatos possíveis de gráficos. A representação errada das informações pode te colocar em uma posição desfavorável perante os interlocutores. Pense que a pessoa menos preparada na sala deve entender que há um bode, ou seja, problemas dentro da empresa que estão sendo apresentados no gráfico.
  5. Quando você vai apresentar? Métricas são uma delícia. Você faz vários achados importantes e fica se questionando: Como nunca viram isso? Nossa tendência é sair logo contando aos quatro ventos o brilhantismo das nossas informações. Mas tenha cuidado! Pois, muitas das vezes, essas informações mexeram com carreiras. Saiba apresentar dados sempre com graça e beleza. Ao invés de: “Caramba! Olha o bode!!!!” O ideal pode ser você começar com: “Gente, vocês estão sentindo um cheiro estranho?” Você precisa conquistar as pessoas antes de chegar nos finalmentes.
  6. Onde você apresentará seus gráficos? Você não apresentará a evolução do balanço patrimonial da empresa e aumento de despesas operacionais no III Congresso de Métodos Ágeis de Jundiaí. Essas são informações internas e você não irá expô-las para fora (salvo represente alguma vantagem estratégica). Portanto, não envie apenas por e-mail a informação fundamental para a sobrevivência da empresa na esperança de que alguma cabeça pensante do alto escalão lerá o seu e-mail. Pense em onde apresentar cada tipo de informação.

Cadências de Melhoria

Estabeleça cadências para melhorias do fluxo, produto, time etc. Uma das grandes sacadas da agilidade foi trazer a ideia de ciclos curtos com melhoria contínua. Se você já tem uns cabelos grisalhos, assim como o autor que vos escreve, você lembra do método tradicional do desenvolvimento de projetos.

Nele nós escrevíamos o DLA – Documento de Lições Aprendidas. Eram os “causos” pelos quais passávamos durante todo o projeto e íamos anotando ali para que servissem para consulta futura. Devo ter escrito mais de uma bíblia deles. Foram tão úteis quanto a nuvem seca no deserto.

Sendo bem sincero comigo mesmo, ao escrever este texto que você lê, é a primeira vez que abro um deles. Alguns foram escritos com Office 97. Achei até um arquivo com extensão LWP (Lotus Word Pro).

Para resolver o bode, você não pode esperar o fim de um projeto. Você tem que resolver enquanto o projeto anda. Estabeleça cadências curtas para revisar tudo o que está sendo feito. Utilize as métricas, gráficos e o fluxo de trabalho para auxiliar seu time nessa tomada de decisões.

Cuidado para não adequar o seu time ao bode. Por exemplo, muitas vezes vi times que utilizavam Scrum e tinham sprints de 3 ou 4 semanas em um tipo de trabalho que deveria ter cadências semanais ou no máximo quinzenais.

Aumentar o tamanho da Sprint é, normalmente, um sinal de que estamos abrindo um espaço para acomodar o bode ao invés de resolvê-lo.

No lugar de perguntar se seu time deve espaçar as cadências, prefira questionar: “Por que estamos querendo espaçá-las?”

Conclusão

Espero ter ajudado a acender a centelha de não conviver com problemas dentro da empresa. Obviamente, nesse texto, trouxe uma abordagem lúdica e focada em empresas e trabalhadores. Entretanto, você pode utilizá-lo até na sua vida pessoal.

Está com problemas no relacionamento com seu companheiro ou companheira? Qual é o bode que nós estamos fingindo que não está na nossa relação? Tirar o problema das sombras e trazê-lo para a luz é a única forma de resolvê-lo.

Não pare o conhecimento por aqui

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Se você quiser utilizar essa história em outro país, é mais comum o uso da expressão: “The Elephant in the Room” (O elefante na sala).

Adesivo K21: Bote o Elefante na Sala (português de Portugal)
Adesivo K21: The Elephant in the room (inglês)

Você pode utilizar esses adesivos para espalhar o bode/elefante onde for!

Avelino segurando um microfone e uma camiseta preta escrita Agile. Ele é pardo, barba e cabelos grisalhos.

Sobre o autor(a)

Trainer na K21

Avelino Ferreira é formado e mestre em Ciência da Computação. Teve uma longa trajetória na TI, começando como programador e chegando a gestor de diversos times de criação de produtos digitais. Conheceu e começou a adotar as melhores prática de de Métodos Ágeis em 2008. Desde então, se dedica a auxiliar outras empresas na construção da cultura ágil. Atualmente, é Consultor e Trainer na K21

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