Se você já se deparou com algum restaurante que abre em uma rua sem movimentação de pessoas. Ou uma papelaria que abre em um bairro residencial sem escritório ou colégios. Você provavelmente ficou se perguntando o que cargas d’água se passou na cabeça da pessoa quando ela tomou tal decisão. Provavelmente a mesma que as empresas têm quando resolvem construir um produto na base do achismo.
Alguns afirmam que “Utilizamos métricas na tomada de decisão”, “somos uma empresa Data-driven”, “Só conseguimos gerenciar aquilo que podemos medir”. Todos gostam de métricas, até começarmos a usar métricas. Uma percepção (logo não é nada científico) é que as pessoas sabem que os números existem, acham interessante quando eles aparecem, mas continuam tomando decisões baseadas em “feeling” (sentimentos).
Neste artigo
Por que usar métricas?
O motivo de utilizarmos métricas foi bem definido por Peter Drucker.
Você não pode gerenciar o que não pode medir.
P. Drucker
Se você não puder medir, não poderá melhorar.
P. Drucker
Eu gosto da proposta: “Utilizamos métricas porque queremos resolver problemas”
Elas servem para medir o tamanho do problema e qual foi o impacto causado pela nossa solução. Estamos melhorando, não estamos causando nenhum impacto ou estamos piorando o problema?
Como faço para o meu time adotar métricas?
Seguindo o princípio de que você quer resolver problemas, a primeira coisa é descobrir se há algum problema que as métricas possam te auxiliar. Caso não exista, não force a barra. Coisas como reclamações de clientes, pressão de produtos concorrentes, falta de eficiência de construção, carga de trabalho excessiva são problemas que as métricas podem auxiliar.
Pelo mais que você conheça centenas de métricas de times e produtos, não tente colocá-las todas de uma vez no seu time. Comece com poucas. Por exemplo, aquelas que são cobradas por gerentes e diretores ou então algumas das tradicionais métricas de eficiência. Adicione novas métricas conforme a necessidade surgir.
Reuniões de retrospectivas são bons momentos para apresentar resultados. Escrevi sobre isso no artigo: Retrospectiva: ganhando maturidade nesse evento de melhoria.
Outra forma que já utilizei e se mostrou eficaz foram as métricas na parede. Literalmente criar um painel de métricas relevantes, imprimir e colar na sala em que o time de reune (times que trabalham no presencial ou híbrido). Mantenha atualizado e se possível se reuna sempre próximo a esse painel. Painéis virtuais também funcionam, mas são menos eficazes visto que a visualização depende da vontade da pessoa acessar.
ATENÇÃO: Isso não impede você de acompanhar métricas mesmo que elas não sejam utilizadas pelo time. Acompanhe as que conhecer, transfira para o time conforme a necessidade for aparecendo.
Por que as pessoas não gostam de métricas?
Afinal de contas, o que faz com que as pessoas ignorem os fatos (métricas) e se apegam às suas crenças para tomar decisões.
Pressão, estresse e ansiedade
É muito comum quando as métricas aparecem elas virem acompanhadas de metas. Enquanto as métricas são fatos, a meta é uma convenção, um combinado entre pessoas da empresa. Imagine que você está correndo uma maratona. O comprimento dela é 42,195 km. Essa é a sua meta. Neste momento você está no quilômetro 12. Essa é a sua métrica, o fato.
Quando as métricas são acompanhadas de metas, elas criam pressão adicional para atingir resultados. Isso pode causar estresse e ansiedade nas pessoas, o que as leva a uma aversão às métricas, pois passam a ser enxergadas como uma fonte de pressão.
Meu primo e grande amigo Anderson Vieira trabalhou um tempo em uma loja de roupas que começou a vender um monte de soluções financeiras. Ele tinha meta mensal para tudo. X cartões de crédito, Y crediários e o que mais me impressionou foi que havia uma meta de venda de seguros de vida. Minha pergunta era: quem entra em uma loja de roupas com o intuito de comprar seguros de vida? Pela meta ser mensal, todo mês tinha que ser batidas, imagine a pressão em cima dos vendedores. O turnover (rotatividade) de funcionários da empresa era enorme.
Fatos inconvenientes
A crônica escrita acima apresenta um medo comum quando vamos ao dentista. Sabemos que, embora seja muito bom para nossa saúde bucal, alguns dos equipamentos utilizados podem provocar dor e nós somos avessos a sentir dor.
Muitas vezes os números trarão verdades inconvenientes. Um produto que estamos trabalhando a meses ou anos e é um fracasso de vendas, ou um time dedicado que demora muito tempo para fazer uma entrega ou qualquer outra coisa do gênero. As métricas são o que são. Nem quentes, nem frias, nem bonitas e nem feias. Fingir que elas não existem pode ser pior ainda.
Imagine que você se tornou responsável por um produto que ao fazer algumas contas já percebeu que ele é um fiasco. Se você abrir o jogo logo e apresentar o resultado, a perda será pequena. Já, se varrer os números para baixo do tapete e só daqui há alguns anos você revelar o fiasco, ou pior, ele vir à tona por outras pessoas, além de você se tornar responsável pelo fracasso, ainda será chamado de mentiroso, pois sabia do problema e se calou.
Falta de contexto
Métricas isoladas nem sempre contam a história completa. Elas podem fornecer dados quantitativos, mas não captam o contexto e a complexidade das situações. Imagine que você tem um restaurante e a taxa de ocupação de mesas* no horário de pico em um mês é de 98% e no mês seguinte vai para 15%. Se você observar apenas o número, pode ficar com vontade de demitir o gerente do lugar por causa do fracasso.
É necessário entender o contexto. O que aconteceu para uma queda tão abrupta? Pode ter começado uma obra grande da prefeitura na frente do restaurante e o barulho, poeira está incomodando os clientes. A abertura de um restaurante famoso nas proximidades. Pode ser que os meses comparados sejam fevereiro e março de 2020 (início da pandemia de COVID19).
A métrica isolada pode levar a uma visão limitada e simplificada da realidade, e as pessoas podem sentir que suas contribuições estão distorcidas e começam a repelir os dados.
Como diz meu amigo Lucas Gomes: “Uma boa métrica é um convite para uma boa conversa”. Logo, olhe o número, mas busque entender o que aconteceu para que ele exista.
* A taxa de ocupação de mesas é a média de quantas mesas ficam ocupadas por quantidades de mesas disponíveis em determinado dia e horário em um restaurante.
Foco no curto prazo
As métricas geralmente são utilizadas para resultados de curto prazo, muitas vezes na base do susto. Estive trabalhando em um time que nunca tinha calculado o seu Customer Lead Time (CLT). Eles tinham a crença de que eram muito rápidos, que em menos de 15 dias entregavam tudo o que pediam. Até fazer a conta e descobrir que na verdade nada era entregue em menos de 57 dias. Eles eram quase 4 vezes mais lentos do que a crença deles.
A métrica trouxe o desespero. A galera começou a fazer hora-extra, a média de horas de trabalho pulou das tradicionais 8h para quase 10h por dia e conexões na VPN** nos finais de semana se tornaram comuns. Foi um grande esforço heróico que deu resultados. No período seguinte, o Customer Lead Time médio caiu para 31 dias.
Você pode pensar que foi incrível e que valeu a pena. Na verdade não. O esforço heróico, apesar de dar resultados, não é sustentável. Ele tem prazo de término que é o cansaço das pessoas. No período seguinte, o CLT voltou a expandir para 51 dias com óbvia tendência de alta.
Métricas utilizadas de forma pontual podem fazer com que as pessoas se sintam pressionadas a buscar resultados imediatos, em detrimento de objetivos de longo prazo ou de qualidade. Isso leva à desvalorização das métricas, pois parecem superficiais e não refletem adequadamente o trabalho real realizado.
** VPN é a sigla para Virtual Private Network (Rede Privada Virtual). São redes seguras que permitem que os funcionários da empresa tenham acesso à rede da empresa e seus componentes a partir de computadores sendo utilizados de qualquer lugar do mundo conectado à internet.
Métricas moldam comportamentos
Dize-me como me medes e dir-te-ei quem sou!
Goldratt, Eliyahu M.. A Meta | p. 7 | Edição comemorativa de 30 anos: Edição do Kindle.
Você já deve ter ouvido essa frase ou alguma variação dela. Goldratt, ao escrever sobre as Teorias das Restrições nos informa de como ele percebeu que a visão de métricas isoladas gerava uma infinidade de conflitos em sua empresa.
Olhando para o exemplo que apresentei anteriormente sobre o time que tinha um Customer Lead Time de 57 dias. Há uma outra forma muito mais barata de reduzir esse tempo sem hora-extra e sem mudar o processo de trabalho. Basta abrir mão da qualidade. O tempo diminuiria, em compensação, a quantidade de reclamações do cliente aumentará vertiginosamente.
O estabelecimento de métricas pode levar a comportamentos indesejáveis, como a manipulação dos dados ou a busca de otimização local. Isso pode fazer com que as pessoas vejam as métricas como algo manipulativo e desonesto.
Ao escolher métricas, é necessário buscar números que se equilibram. Por exemplo: Velocidade deve ser equilibrada com qualidade. Aquisição de novos clientes com retenção de clientes. Receita com satisfação dos consumidores.
Sempre há espaço para subjetividade
É impossível medir tudo. Pelo mais que tentemos, há aspectos de nossa vida que são impossíveis de serem mensurados.
O uso exclusivo de métricas pode levar a uma visão unidimensional do desempenho, ignorando aspectos intangíveis e subjetivos que também são importantes. Por exemplo, se você está preocupado com um parente doente isso afeta seu rendimento, mas não há ferramentas ligando essas duas informações. O máximo que as pessoas vêem é a queda da produtividade.
As métricas podem não capturar completamente a experiência, sentimentos e motivos para variações que nela acontecem.
Métricas que intoxicam
Quando atuei como consultor em um cliente me deparei com uma situação para lá de estranha. Gostava muito dessa empresa, pois as pessoas eram muito cordiais e muito atenciosas. Um dia, quando cheguei em um time, de forma despretensiosa, apenas para começar um diálogo, perguntei ao Product Owner (PO) como estavam as coisas. Para minha surpresa ouvi um rompante de fúria: “pergunta pro PO do time ‘premiadinho'”.
Fiquei sem entender nada, mas fui até o tal PO do time “premiadinho”. Descobri que na noite anterior havia tido uma premiação promovida por outra consultoria para o time que entregou mais User Stories Points (USP) (Pontos de História) no ano.
USP é o resultado da dinâmica de Planning Poker criada por James Grenning e mais tarde popularizada por Mike Cohn. O objetivo primário da dinâmica é fazer com que as pessoas discutam como transformarão uma ideia em um incremento de produto e estimar o esforço necessário para tal. Não é, não foi e nunca será criar uma métrica de competição entre os times. Mesmo porque é facílimo forjar os resultados e inflacionar as estimativas em USP.
Levou algum tempo até desfazer o mal que foi criado e foi a situação inspiradora do artigo Métricas Tóxicas: o que você não deve usar.
A medição da pessoa, pode também criar um ambiente tóxico onde todos tentam se tornar o/a Número 1 e deixam os resultados que só podem ser alcançados pelo time em segundo plano. Se medimos os indivíduos, as pessoas darão valor às métricas individuais. Afinal, agora é o nome delas que está em jogo.
Conclusão
O Título do artigo não é que eu acredite que todos odeiam métricas. É uma alusão ao seriado que ficou famoso no Brasil: Todo Mundo Odeia o Chris. A ideia foi ajudar um pouco a entender por que as pessoas têm certa resistência com a adoção delas. Espero também que tenha ajudado a você a identificar os pontos que você pode utilizar para começar a fazer com que o seu time olhe para elas.
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