Tratando Riscos em Projetos Ágeis : Riscos de Negócio

Avelino segurando um microfone e uma camiseta preta escrita Agile. Ele é pardo, barba e cabelos grisalhos.

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Tratando Riscos em Projetos Ágeis : Riscos de Negócio

Há alguns dias estava lendo um artigo do Kanban Plus e esbarrei no tratamento de riscos que o Kanban traz. Senti vontade de dar um passo além e escrever como tratamos riscos em projetos ágeis. Neste texto trago uma classificação de risco baseado nas 4 Áreas de Domínio da Agilidade. Então, teremos riscos de negócio, cultural, de organização e técnico. É importante mencionar que aqui escrevo apenas sobre risco para o projeto, produto ou serviço. Não tratarei coisas como falência da empresa, mudanças na economia de um país, internacionalização da organização etc. 

Outra coisa, enquanto escrevia vi que estava ficando muito grande e por isso neste 1º artigo escrevo apenas sobre os riscos de negócio. Em breve escreverei sobre as outras três áreas. Então, sem mais delongas, vamos aos riscos.

Definição de Riscos 

Risco é uma incerteza que pode ter efeito positivo ou negativo. Embora muitas vezes a palavra seja associada apenas a coisas ruins, tecnicamente, risco pode envolver oportunidades (efeitos positivos) ou ameaças (efeitos negativos). Neste artigo foco nos negativos, pois é o que geralmente as pessoas pensam quando escutam essa palavra.

Componentes do Risco

Ilustração com três ícones em sequência: um triângulo de alerta com a palavra 'Evento', um dado representando 'Probabilidade', e um gráfico de barras ascendentes com a palavra 'Impacto'. As figuras estão conectadas por setas, indicando a relação entre os componentes do risco.
Componentes do Risco

Todo risco é  compreendido por três componentes. 

  1. Evento: o fato gerador do risco. Por exemplo: perda de dados, falta de clientes, excesso de clientes etc.
  2. Probabilidade: chance de esse evento ocorrer (ex: 30%).
  3. Impacto: o efeito caso o evento realmente aconteça (ex: prejuízo financeiro, perda de confiança, falência, incapacidade de atendimento etc.).

Riscos de Negócio

Aqui estão os riscos relacionados ao resultado obtido o produto ou serviço que estamos construindo. Geralmente as empresas têm um relacionamento estranho com essa área, pois das quatro, é a que geralmente é menos acompanhada. Entretanto, o sucesso ou fracasso do projeto depende prioritariamente dela. Se o resultado é bom todos ficam alegres. Já se for ruim, mais cedo ou mais tarde, as cabeças acabam rolando. Vamos listar os riscos mais comuns e como podemos evitá-los ou reduzir seu possível impacto.

Risco de resultado

Nesta categoria são riscos relacionados a não obtermos os resultados esperados ou de sequer sermos capazes de obtê-los.

Não aceitação do produto no mercado

Aqui não estou falando sobre o cliente avaliando o produto em uma reunião formal. Na verdade, quero falar sobre o lançamento de um produto ou serviço no mercado e ninguém comprá-lo. É um grande terror para todos. O medo paira na cabeça do time durante toda a construção. 

Uma forma de reduzir esse risco é através dos métodos de (in)validação de ideias. No artigo: “Cemitério Mexicano: Comemorando os produtos que não fizemos” apresento alguns deles. É aqui que entra o famoso Minimum Viable Product (MVP). A redução do risco acontece porque a ideia será validada antes de entrarmos nos altos custos de desenvolvimento e implantação do produto. Caso a ideia seja invalidada, podemos pivotar (alterar o público-alvo, problema ou solução) ou descartar o projeto antes de começá-lo.

Outra forma de reduzir esse risco são os ciclos curtos de entregas incrementais. Espera-se de um time ágil que ele comece a fazer entregas logo cedo. Se possível, em poucas semanas. Diga-se de passagem, essa é a principal forma de reduzir riscos em projetos ágeis. Infelizmente, o contrário disso é verdadeiro. Se um time demora muito para fazer uma entrega, ele aumenta o risco do projeto.

Falta de feedback

Não tem nada pior do que fazer muito bem algo que ninguém quer. Esse é o risco que traz a falta de feedback. Nós podemos passar meses ou anos envolvidos no desenvolvimento de um projeto e só no final descobrirmos que nossos clientes não gostam, não querem ou sequer precisam do nosso produto ou serviço. 

O tratamento desse risco é a essência da Agilidade: ciclos curtos, melhoria contínua e foco em valor. Sem isso, não existe agilidade. Outro ponto importante é buscar bons feedbacks e Técnicas como o Teste da Mãe sempre ajudam. Logo, tema muito cuidado com quem só te aplaude.

Resultado indefinido (falta de métricas)

Agora, imagine a cena. Você está vendo uma partida de futebol na TV. Seu time está na área de ataque. O lateral faz um lindo cruzamento e a bola encontra o centroavante livre na entrada da pequena área. Ele se prepara para chutar de primeira e… A luz acaba. Foi gol? Você não sabe. É a mesma coisa que  um produto que não tem métricas. Não tem como saber se foi um sucesso ou um fracasso. Logo, é fundamental que você pense nelas antes mesmo de começar a construção. Além disso, como o time fará várias entregas, ele deve acompanhá-las durante todo o tempo. 

Assim como no jogo de futebol é necessário construir, avaliar e corrigir a jogada até chegar ao gol, na construção de produtos e serviços é muito importante que a medição e avaliação ocorra após cada entrega. Pois, caso algo esteja mal, conseguiremos corrigir rapidamente. Nestes artigos existem métricas de produto que podem ser relevantes para você. 

Além delas, sugiro uma lida no Tanque de Decantação que é uma ferramenta de Descoberta do Produto (Product Discovery) que ajuda a pensar em métricas desde o início. 

Métricas mal definidas 

Este é o irmão  malvado da falta de métricas. Muito pior do que não ter resultado é medir o que não é relevante, porque teremos a falsa sensação de que temos um produto / serviço é um sucesso, quando na verdade, é um fracasso. Para descrever o que é uma métrica mal definida, vamos pensar no que é uma métrica bem definida. 

Você deve ver se ela passa na peneira dos 4 As das Métricas. Ela deve

  1. Acessível: você e as pessoas diretamente envolvidas compreendem sem precisar de 3 matemáticos, 5 estatísticos e 7 PhDs.
  2. Acionável: a métrica é capaz de guiá-lo em suas decisões. Se estão só para matar curiosidades, não são boas métricas.
  3. Adquirível: você tem acesso consegue obtê-la. 
  4. Auditável: você consegue verificar que a informação é verdadeira

Se a métrica passa por essa peneira, é um sinal de que ela é relevante para o seu time. Se não passar, você pode estar embarcando no Teatro da Vaidade. Utilizando métricas que apenas te deixam feliz sem dizer muito sobre o resultado concreto do que seu time faz.

Entretanto, cuidado! Mesmo que a métrica passe por esses quatro pontos, você não pode ficar olhando para ela isoladamente. Sempre escolha duas ou mais métricas que se equilibram para evitar enviesar sua análise. Por exemplo, se escolher acompanhar métricas de retorno financeiro, escolha também métricas que meçam a satisfação do cliente. Isso ajuda o time a não ficar procurando lucro a todo custo,  enquanto, ao mesmo tempo, prejudica o relacionamento com o cliente. Se for utilizar métricas de aquisição equilibre com métricas de retenção para avaliar se os clientes que chegam permanecem utilizando seu produto / serviço. Nunca se esqueça:

Adesivo de Métricas moldam comportamentos com um homem preso dentro de um quadrado feito por réguas.
Métricas Moldam Comportamentos

RoI baixo, neutro ou negativo

Já que entendemos a relevância das métricas de resultado, temos que montar a equação e calcular “quanto vale o show”. Em outras palavras, qual é a relação entre resultado ocorrido com o produto e custo da construção. 

Há algum tempo atrás estive em uma empresa que comemorou o lançamento de um serviço com pompa e circunstância. Na época, fiz uma conta rápida e parecia que o Retorno sobre o Investimento (Return on Investment – RoI) não seria bom. 

Tentei convencer as pessoas que não era uma boa ideia continuar com o serviço, mas eles já haviam gasto muito, muito tempo e dinheiro para fazer a primeira entrega. Por consequência, as pessoas estavam emocionalmente vinculadas a ele. Não seria um sujeito de fora que não estava ali na labuta que chegaria e mataria a iniciativa. 

Depois de lançado, o ROI daquele serviço foi de baixo para muito baixo e de lá para negativo. Em seis meses eles decidiram encerrá-lo. Infelizmente com tristeza e demissões. 

A conta do RoI, que você pode ler a explicação completa no artigo “Retorno sobre o Investimento (ROI) : priorizando 100% do seu portfólio”, é a razão de lucro sobre custo. Mantenha-a sempre atualizada, pois uma queda pode levar a cortes e mudanças de rumo abruptas.

Riscos ambientais

São os riscos que um produto ou serviço corre de fatores externos à organização. Por exemplo, governo, agências reguladoras e órgãos de fomento.

Incompatibilidade com a legislação

Se você não trabalha em mercados muito regulados (energia, telefonia, seguros, saúde,  justiça etc.) é provável que você nunca tenha se preocupado com isso. Entretanto, principalmente para quem atua nesse contexto, um risco gigante é criar algo que não esteja em conformidade com a legislação ou com normas do setor. Porque isso pode gerar multas homéricas e muita dor de cabeça.

A solução para reduzir esse risco não é simples, pois dependendo da quantidade de regulações, o time técnico será incapaz de avaliar a legalidade do que está criando. A melhor forma que eu já vi de resolver isso foi trazer advogados e pessoas que compreendem bem a legislação para dentro do time. 

Entretanto, sei que nem sempre é possível. Então, a segunda melhor forma foi trazer essas pessoas como stakeholders do time. Eles participavam de algumas reuniões para obtenção de requisitos e das reviews para avaliar as questões legais do produto.

Se nenhuma das duas for possível, você, que está na função de produteiro / produteira terá que estudar a legislação e se especializar um tanto mais no assunto. A Inteligência Artificial poderá te ajudar, mas só se você souber fazer as perguntas certas.

Desalinhamento com a realidade 

Os riscos relacionados a termos projetos que ignoram ou até mesmo são contrários aos rumos e realidade da organização.

Desalinhamento com a estratégia da empresa

Imagina que você vai correr a maratona (42 km). Após a largada, você sai em disparada, corre, corre, corre. Quando olha quanto falta para chegar, percebe que faltam 67 km. Isso é o sentimento quando construímos um produto / serviço desalinhado com a estratégia da organização.

Parece piada, mas, principalmente, em grandes organizações é fácil de acontecer, pois a distância entre a camada estratégica e a operação é enorme e muito ruído adentra a comunicação.

Uma forma eficiente de evitar isso é a correta implantação de OKRs na empresa. Se isso não for possível, tente pelo menos implantar OKR na sua área, unidade ou time. Não será tão eficiente, mas será um grande direcionador. Se nem isso for possível, busque o plano estratégico da organização, estude-o e verifique se o seu projeto está alinhado a ele.

Desalinhamento com a situação da empresa

Certa feita estive em uma empresa que o plano Estratégico era maravilindo recheado de frases de impacto: “nosso propósito é encantar clientes com…”, “a primazia do cliente…” e por aí vai. Contudo, a difícil situação financeira que a empresa passava era pública e notória. É uma das piores situações possíveis, pois você tem que ganhar receita rapidamente enquanto corta tudo quanto é custo. Aquelas frases de efeito que estavam lá no planejamento tinham baixíssima prioridade, pois se não conseguíssemos aumentar o capital de giro, em breve, a empresa se tornaria insolvente.

No portfólio deles havia muitas iniciativas para melhoria do NPS, aperfeiçoamento da infraestrutura etc. Em condições normais de temperatura e pressão, seriam ótimas iniciativas. Entretanto, não era o caso.

Para resolver esse tipo de problema, pode parecer uma recomendação meio estranha, mas é muito poderosa: NUNCA IGNORE A REALIDADE! Você tem que saber a realidade da sua empresa e ser transparente enquanto isso.

Conclusão

Tratar riscos de negócio em projetos ágeis não é uma atividade isolada ou pontual — é uma prática contínua, integrada ao cotidiano dos times que buscam entregar valor real. Como vimos, reduzir a incerteza sobre o resultado exige mais do que boas intenções: exige validações constantes, entregas frequentes, métricas bem definidas e alinhamento com a realidade estratégica e financeira da organização.

Ignorar esses riscos pode levar a desperdícios, frustrações e, nos casos mais graves, ao fracasso completo de um produto ou serviço. Por outro lado, reconhecê-los e tratá-los de forma sistemática é essencial. Afinal, em cenários cada vez mais complexos e incertos, a capacidade de aprender rápido e ajustar o rumo pode ser a linha tênue entre o sucesso e o fracasso.

Em breve, continuaremos explorando os demais domínios do risco em projetos ágeis: cultural, organizacional e técnico. Cada um deles trará armadilhas próprias — e estratégias inteligentes para superá-las.

Avelino segurando um microfone e uma camiseta preta escrita Agile. Ele é pardo, barba e cabelos grisalhos.

Sobre o autor(a)

Trainer na K21

Avelino Ferreira é formado e mestre em Ciência da Computação. Teve uma longa trajetória na TI, começando como programador e chegando a gestor de diversos times de criação de produtos digitais. Conheceu e começou a adotar as melhores prática de de Métodos Ágeis em 2008. Desde então, se dedica a auxiliar outras empresas na construção da cultura ágil. Atualmente, é Consultor e Trainer na K21

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