A agilidade tem um molho secreto e ele é composto por três ingredientes: ciclos curtos, melhoria contínua e foco em valor. Eles são a base dos Métodos Ágeis. Inclusive, para saber se um framework, prática, método é realmente ágil, basta verificar se ele passa nessa peneira: estabelece ciclos curtos para entrega, avaliação, verificação e análise; se propõe a fazer melhoria contínua em diferentes aspectos do trabalho; tem foco em resultado tangível, pragmático e impactante.

Infelizmente existem muitas práticas que os times utilizam com o selo de “ágil” porém estão longe disso. Por isso, neste texto, detalho cada um desses ingredientes e espero te ajudar a tornar o seu time mais e mais ágil de verdade.
Ingrediente 1 da Agilidade: Ciclos curtos
Hoje em dia esse é um conceito bem estabelecido, porém, quando surgiu, foi uma grande quebra de paradigma. Os ciclos curtos evitam que caiamos em problemas comuns da construção de projetos.
Parálise pela análise
Ficar meses e meses analisando o que deve ser feito, sem nunca começar a construir nada. A análise gigante é enfadonha e não gera valor para ninguém. Uma pequena entrega que promova alguns feedbacks é melhor do que ficar um tempão dentro de uma sala especulando o que poderá ser feito. Afinal, não conseguimos prever como as pessoas usam nosso produto até elas começarem a utilizá-lo.
Vou dar um exemplo, há muitos anos atrás, desenvolvemos um sistema de agendamento focado na população do estado do Rio de Janeiro. A pessoa digitava seu endereço e apresentávamos o posto de atendimento mais próximo a ela. Recebemos algumas reclamações de que elas não achavam os endereços, mesmo consultando a base dos Correios. Como disponibilizamos o serviço de agendamento em poucas semanas, percebemos rapidamente que:
- CEP não é algo que o grande público conhece.
- Em comunidades é muito comum, temos ruas homônimas com nome curto: Rua A, Rua Dois. De vez em quando as pessoas conheciam o logradouro por alguma característica. Por exemplo: Rua A de Baixo e Rua A do Alto.
- A palavra “município” não é tão trivial como imaginávamos
Com essas informações, na semana seguinte resolvemos esses problemas e as reclamações sobre não encontrar o endereço caíram 85%.
Maratona é uma corrida muito longa
Outro problema que aparece quando não temos ciclos curtos é que todos começam o projeto encarando como se fosse uma grande e cansativa maratona. Por isso, há uma frase que parece meio piegas, mas é válida: “Toda corrida começa com o primeiro passo”. Se pensarmos que temos que correr 42 km, isso pode dar uma desanimada. Já se pensarmos que temos que correr 4 km, e quando o alcançarmos teremos mais 4 km e assim por diante, isso facilita muito. Inclusive a corrigir a estratégia ao longo da corrida.
Síndrome do Estudante Relapso
O estudante relapso é aquele que deixa para estudar um dia antes da prova. A mesma coisa em nossos times, resolvemos duzentas pendências, manutenções e quando o prazo do projeto que deveríamos estar trabalhando fica apertado, começamos a correr contra o relógio na tentativa de recuperar o irrecuperável tempo perdido. Normalmente é quando surgem as “salas de guerra” e a liberação de horas extras.
Lei de Parkinson
Cyril Northcote Parkinson afirmou:
“o trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para a sua realização.”
Digamos que seu chefe muito gente boa deu para o seu time seis meses para concluir um projeto. Vocês analisaram e acham que três meses seriam suficientes. Como vocês acham que estarão quando faltar uma semana para o sexto mês? Se você tem experiência com projetos, sabe que estarão em um corre-corre frenético tentando desesperadamente juntar as coisas para fazer funcionar.
Por que isso acontece? Já que tínhamos três meses de folga, e somos muito responsáveis, cada um fez o seu melhor: o banco de dados é o melhor banco de dados do mundo, a arquitetura é desenhada para dar suporte ao universo, a segurança é mais forte do que um porta-aviões, o software seguiu 100% dos padrões de desenvolvimento e assim, com todos usando o estado da arte, o trabalho de expandiu e ocupou todo o tempo disponível.
Os ciclos curtos não só evitam esse problema, como reduzem o risco de entregarmos para nossos clientes algo irrelevante e comercialmente inviável.
Ingrediente 2 da Agilidade: Melhoria Contínua
Esse foi o grande clique de todos os métodos ágeis. Melhoria contínua é tão importante que podemos afirmar que um time que não faz melhoria contínua, não pratica Agilidade. Ela envolve o aprimoramento do produto / serviço, dos processos de trabalho, ferramentas, do time e dos indivíduos que compõem o time.
Uma característica importante da melhoria continua é que se baseia no método científico e sempre gera evidências. Por isso, ela requer que você crie uma hipótese, prepare e execute um experimento, colete o resultado e avalie se a hipótese se confirmou. Não há melhoria contínua se tudo está baseado em sentimento.

Parece complicado, mas não é. Vou dar um exemplo. Há algum tempo atrás nossos times de desenvolvimento de software passavam por um problema crônico. Os usuários, clientes e patrocinadores tinham acesso livre e irrestrito à nossa sala. Toda hora chegava alguém direito no desenvolvedor, interrompia o trabalho dele e lhe dava uma “demanda” urgente. Isso era muito chato por: a) interromper o raciocínio do desenvolvedor, b) mudar o foco do seu trabalho: e c) capturar o desenvolvedor para fazer algo não era importante para a organização.
Foi então em uma reunião de retrospectiva que a Sonia Moreira deu a ideia de utilizarmos uma plaquinha vermelha na parte de trás do monitor (1ª coisa que a pessoa externa veria) com a frase: “Estou ocupado, procure alguém com a placa verde”.

Isso causava um desconforto no visitante. O que parecia algo ruim, afinal ninguém gosta de gerar desconforto, mas teve resultado muito positivo. Com o passar do tempo, o desconforto fez com que as pessoas parassem de ir à sala. O que melhorou muito o trabalho de todos, inclusive daqueles “visitantes”.
Ingrediente 3 da Agilidade: Foco em Valor
Por fim, o último competente do molho secreto da Agilidade é foco em valor. Aqui não podemos ser piegas e achar que qualquer coisa é valor. Já vi muita coisa estranha recebendo esse título.
Em uma determinada empresa, o objetivo de uma unidade de TI era trocar 100% dos computadores desktop de seus colaboradores. Eles fizeram e ficaram muito felizes. Parece que não tem nada demais, afinal é algo comum. Entretanto, era maio de 2020, pico da pandemia de COVID-19 e 3º mês de lockdown, não havia ninguém para utilizar os desktops e nem previsão para retornarem. De fato, os computadores só foram utilizados quase 2 anos depois. Já defasados e sem garantia do fabricante.
No artigo “O que é valor?”, detalhamos o quê pode ser considerado como tal. Uma grande dica que costumo a utilizar é definir o valor antes de começar o projeto ou iniciativa. Por exemplo: A iniciativa X aumentará a receita. O projeto Y melhorará a satisfação do nosso cliente. Se deixar para especificar o valor depois de começar, podemos entrar no modo defesa: “Já que não impactei nada relevante, deixa eu procurar qualquer indicador para justificar que eu entreguei ‘valor’”.

Conclusão
Se quisermos mesmo viver a Agilidade — e não apenas “fazer agile” — precisamos encarar de frente esses três pontos essenciais: ciclos curtos, melhoria contínua e foco em valor. Eles não são apenas boas práticas; são o norte verdadeiro para qualquer time que queira entregar resultado, aprender e gerar impacto real. O resto? É só barulho. Reuniões de stand-up, quadros coloridos e jargões em inglês. Portanto, da próxima vez que alguém disser que está sendo ágil, pergunte:
– “Qual valor você entregou esta semana?”,
– “O que você melhorou desde a última entrega?”,
– “Quando foi a última vez que você aprendeu algo?”
Agilidade é fazer melhor, mais cedo, com resultado. O resto é só desperdício fantasiado de processo.