Uma das práticas mais conhecidas do Método de gestão de fluxo de trabalho Kanban é a definição do limite de WIP. Neste artigo escrevo porque você deve utilizá-lo, o que ele é e como você pode defini-lo.

O limite de WIP é diferente do WIP
Antes de entrarmos no assunto, vamos à definição dos termos.
WIP
WIP é a sigla para Work in Progress, na tradução, trabalho em progresso. Esse é o conjunto de todos os itens de trabalho que estão em andamento no nosso fluxo de trabalho. Você deve contabilizar todo e qualquer item em que o seu time tenha investido algum esforço. Logo, itens que estão no upstream, itens que estão em etapas de espera, itens que estão em etapas de execução e itens bloqueados por algum motivo contam como trabalho em progresso. Em outras palavras, praticamente tudo que está após a recepção do item na lista de demandas (backlog) até antes da entrega.

O WIP é uma métrica concreta, um fato.
Limite de WIP
Esse não chega a ser uma métrica; na verdade, é uma convenção sobre o limite do trabalho aceitável. Então, quando o WIP atinge esse limite, o time não puxará mais trabalho para o fluxo.

Legenda: Esse time convencionou o limite de fluxo para cada etapa. Somando-os o resultado é 23.
Por que limitar o WIP?
Existem vários motivos para você limitar o WIP, aqui listo os principais motivos que levam os times a optar pela limitação do WIP.
1. Evitar sobrecarga do sistema de trabalho.
No artigo: Lei de Little (Little’s Law): A Ciência por Trás de Fazer Menos e Entregar Mais apresentei a informação matemática de que quanto mais coisas fazemos em paralelo, mais lento seremos para entregar cada coisa. Perdemos o foco, ficamos trocando de contexto o tempo todo, a priorização se torna irrelevante, a previsibilidade se torna impossível e os gargalos se multiplicam no fluxo. A limitação do WIP mantém o volume de trabalho compatível com a capacidade real dos times.
2. Aumentar a eficiência
Quanto menos itens no fluxo, mais rápido ele é, pois temos menos espera e menos bloqueios. Imagine uma situação utópica na qual limitamos o WIP de todas as etapas a ter no máximo um item. Para todos que trabalham no fluxo, aquele único item seria a prioridade, porque não há mais nada a fazer além dele. Logo, ele passaria “voando” por todas as etapas. Infelizmente essa situação não seria tão prática na vida real, pois itens distintos possuem tipos distintos, classes distintas e complexidades distintas. Além disso, o fluxo possui etapas mais lentas do que outras e pessoas com competências e capacidades diferentes.
3. Pare de começar e comece a terminar
Ao invés de cada um “abraçar” novas tarefas, o time se mobiliza para terminar o que já está iniciado, fortalecendo o trabalho conjunto e a entrega de valor para o cliente.
4. Expor o gargalo
Quando o WIP é limitado, qualquer acúmulo em uma etapa fica visível mais cedo, permitindo ajustes adequados no processo.
5. Melhorar a qualidade
Este é um ganho indireto que o limite do WIP pode proporcionar, pois estamos reduzindo o número de itens que trabalhamos ao mesmo tempo. Então, com menos coisas competindo pela atenção, a equipe consegue revisar, testar e validar melhor, reduzindo retrabalho, defeitos e dívidas técnicas.
Modelos de limite de WIP
Existem várias formas que podemos utilizar para limitar o WIP.
Por pessoa
Cada pessoa é um avatar (representação de alguém em outro mundo) e a pessoa só pode ter um determinado número de avatares no quadro. Particularmente, só vi isso uma vez.

⬆️ Prós: fácil de adotar; fomenta a autogestão; didático para introduzir o conceito de limite de WIP.
⬇️ Contras: facilita a microgestão; incentiva o trabalho isolado; difícil de manter, pois as ferramentas digitais não implementam esse modelo.
O Fluxo
Você define um limite para todo o fluxo, independente das etapas e das pessoas. Com relação a esse formato eu tenho que ser sincero, nunca vi ninguém adotá-lo junto com Kanban. Todavia, uma variação dele é muito comum no Scrum. Quando falamos que um time tem a “velocidade” de 50 pontos de história por sprint, estamos fazendo uma limitação de WIP pelo fluxo (50 pontos de história) no tempo (sprint).
No Kanban ficaria assim:

⬆️ Prós: fácil de visualizar; é a capacidade exata do time.
⬇️ Contras: não impede gargalos; ineficiente para identificar pontos de ineficiência.
Por etapa no fluxo
Cada etapa do fluxo é limitada. A capacidade do time é justamente o somatório do limite de cada etapa.

⬆️ Prós: fácil de entender e visualizar; identifica rapidamente gargalos específicos do fluxo; prático de atualizar.
⬇️ Contras: Pode gerar “ilhas” de capacidade: uma coluna pode estar cheia e outra ociosa; não controla bem quando há variação grande no tamanho/complexidade das tarefas.
Por estado na etapa
Uma etapa costuma a ser uma junção de um estado de ação com um de espera. Caso deseje, a limitação poderá ser feita para cada coluna. Aliás, devido às implementações mais comuns das ferramentas online de gestão, esse modelo tem se tornado o padrão de fato.
⬇️ Contras: pouca mobilidade na etapa em que você não pode distribuir os itens; requer mais ajustes do que a anterior.
Por etapa no fluxo ou estado na etapa com distribuição de esforço por raia
Esse é um formato híbrido que certos times adotam. Alguns quadros, além de dividir o fluxo de trabalho por etapas também o dividem por raias. Essas raias são classificações que os times desejam fazer. Por exemplo, por classe de serviço ou por tipo de demanda. Eu uso um quadro de coordenação (sou gestor de vários times) no qual eu separo necessidades de evolução de todos os outros tipos de demanda.

O que você pode fazer é além da limitação por etapas no fluxo ou por estado na etapa, é determinar um percentual para cada raia. Por exemplo, eu quero que 20% do esforço do meu time seja gasto em evoluções e 80% nos demais tipos de demanda. Isso garante que, embora o meu time entregue demandas de projeto e correções, eles também façam evoluções de produtos que já estão em operação.

⬆️ Prós: garante que diferentes tipos de demandas ou classes de serviço sejam atendidas.
⬇️ Contras: nem sempre é fácil estipular um percentual.
Como limitar o WIP no fluxo de trabalho?
Essa é a pergunta do milhão. Infelizmente não existe um método comum para fazer essa definição. O que existe são recomendações sobre como fazer.
Seu time e o comportamento dos itens no fluxo de trabalho
Primeiro, leve em consideração a quantidade de pessoas no time, a especialização de cada um deles de acordo com a etapa do fluxo. Se seu time for composto por 10 pessoas, um limite de WIP no fluxo igual a 1 não fará sentido algum. Assim como um limite muito superior, digamos, 70 também não.
Imagine que temos um time com 10 pessoas e são ultra especialistas que só conseguem atuar em uma determinada etapa do fluxo. 2 fazem o refinamento, 4 fazem a construção, 2 fazem os testes, 2 fazem a entrega.
Fizemos algumas análises com o Lead Time Breakdown e percebemos que o gargalo (etapa que os itens passam mais tempo) é a construção. Como neste exemplo as pessoas são ultra especialistas, eles não conseguem atuar em outras etapas do fluxo. Então podemos fazer essa divisão de limite de WIP.
⬇️ Contras: reforça a dependência de especialistas (menos flexível); pode perpetuar gargalos se o time não evoluir em multifuncionalidade.
Redução da limitação quando o WIP está elevado
Mantendo esse mesmo time, porém digamos que o WIP estava totalmente descontrolado e agora queremos limitá-lo. Sabemos apenas que estamos sobrecarregados e que precisamos reduzir o WIP. Entretanto, não devemos retornar os itens para o backlog, pois isso faria um refluxo e teríamos uma informação errônea sobre os itens que já foram trabalhados. Então, podemos definir o limite do WIP exatamente igual ao WIP na etapa. Conforme os itens forem se movendo no fluxo, podemos reduzir o Limite do WIP até encontrarmos o ideal para o time.

⬇️ Contras: ajuste mais demorado; requer paciência e disciplina do time em não puxar nada novo.
Redução forçada com limite já estourado
Outra forma é forçar o limite do WIP abaixo do WIP para forçar que o time não pegue mais nada novo até o WIP chegar ao nível adequado.
⬇️ Contras: medida dura, pode gerar ansiedade (“ficamos travados”); precisa de muita disciplina e alinhamento para não virar microgestão.
Limite de WIP Dinâmico
Leva em consideração a capacidade de pessoas disponíveis. Por exemplo, leva em consideração pessoas de férias, pessoas em treinamento etc.
⬇️ Contras: pode ser instável se o time mudar muito de tamanho.
Conclusão
Limitar o WIP não é sobre burocratizar o trabalho, mas sim trazer clareza e foco para o time. Ao reduzir a quantidade de itens em andamento, você ganha velocidade, previsibilidade e qualidade, além de expor os gargalos reais do fluxo. Existem diferentes formas de estabelecer limites, desde modelos simples até abordagens mais sofisticadas e dinâmicas. O mais importante é começar de algum ponto, observar os efeitos no fluxo e ajustar continuamente.
Lembre-se: não se trata de fazer menos, mas de terminar mais. Em vez de correr em várias direções ao mesmo tempo, direcione a energia do time para concluir aquilo que já começou. Essa é a verdadeira essência por trás da frase: “Pare de começar e comece a terminar”.