Colocar itens na prateleira (shelve): O que fazer com itens que ainda não sabemos se vamos investir ou descartar

No meu último artigo, escrevi sobre o funcionamento do upstream e os possíveis resultados que um item de trabalho pode receber nessa parte do fluxo de trabalho. Eles são: descartar o item porque não é interessante, viável ou rentável; continuar (investir) quando o construímos e entregamos o item para o cliente; ou colocar na prateleira (shelve). É sobre essa última opção que me aprofundarei neste artigo.

O que é Colocar na prateleira (shelve)

Em uma tradução literal, “to shelve” significa arquivar. No entanto, no Brasil, “arquivar” geralmente sugere algo definitivo, como um processo judicial arquivado, que entendemos como concluído e guardado sem previsão de retorno. No contexto da gestão de fluxo de trabalho, a ideia de “shelve” é bem diferente. Trata-se de um estado temporário para o item, não um desfecho final. Por essa razão, prefiro a expressão “colocar na prateleira”, pois ela transmite a ideia de que podemos retomar o item a qualquer momento.

A prateleira existe porque, embora a função principal do upstream seja decidir entre descartar ou investir no item, nem sempre essa decisão é simples. Às vezes, precisamos de mais informações, mas não dispomos de tempo, dinheiro ou pessoas disponíveis naquele momento. Contudo, ainda consideramos o item importante e não queremos abandoná-lo. Nesses casos, ele entra em um estado de espera, para ser revisitado e reavaliado futuramente.

Captura de tela de uma história de usuário numerada como “US 007”, com o texto “Eu, enquanto Parte Interessada, desejo obter o PDF com os acórdãos publicados na sessão para acompanhar melhor o resultado da plenária”. Abaixo, há uma tarja vermelha com o status “Bloqueado – Esclarecendo”, e à direita são exibidos campos de pontos, atribuição e observadores.
Exemplo de item na prateleira com o Taiga. Como a ferramenta não tem essa funcionalidade, ele é colocado em bloqueio com um “Due Date” (data de vencimento).

Porque colocamos itens na prateleira

Don Reinertsen em seu livro The Principles of Product Development Flow (p.69) conforme muito bem citado no Kanban Plus (que requer assinatura):

O princípio do estoque invisível: o estoque de desenvolvimento de produtos é física e financeiramente invisível.

No nosso contexto, é  importante lembrar que os “itens de trabalho dão trabalho”. Precisamos investir  tempo, pessoas e dinheiro, seja para avaliá-los ou para construí-los, afinal, como diz o ditado, “não existe almoço grátis”. Portanto, toda demanda tem um custo associado a ela, mesmo que seja um custo de analisar se iremos fazê-la ou não. Infelizmente, esse valor raramente é contabilizado de forma precisa, mas podemos ter uma estimativa aproximada.

Como acontece?

Para ilustrar, imagine que a avaliação de um item exija 1 hora de trabalho de um profissional com salário bruto mensal de $24.000,00 (Lembre-se: A empresa paga o salário bruto). De forma bastante simplificada, o custo dessa análise seria de $100,00 por hora ($24.000,00 ÷ 30 dias ÷ 8 horas). Entretanto, isso é uma aproximação grosseira porque há outros custos envolvidos, como despesas fixas (água, luz, internet, licenças de software etc.), custos administrativos (gestores, times de apoio etc.), impostos e taxas, depreciação, manutenção, entre muitos outros. 

Então, para facilitar a compreensão, vamos utilizar apenas uma aproximação. Digamos que o custo por hora de análise de um item de trabalho seja $200,00.

Custo de Oportunidade

Se a avaliação de um item no upstream durar uma semana, o custo, por uma estimativa simplificada, seria de $8.000 (cálculo: $200 x 8 horas x 5 dias úteis). Além disso, esse não é o único custo, pois não se trata do único item que temos para trabalhar. Todos os itens competem entre si devido ao custo de oportunidade. Este é o valor (ou benefício) que se perde ao escolher fazer o item A em vez do item B. Por isso, se o custo da fase de upstream se tornar muito alto e ainda não tivermos uma ideia clara sobre investir ou descartar o item, podemos optar por colocá-lo na prateleira e direcionar nossos esforços para outro item mais promissor e com menos incerteza no momento .

Características de itens na prateleira (shelved itens)

É fundamental compreender que itens na prateleira ocupam espaço. Portanto, não podemos acumular muitos itens na prateleira para evitar sobrecarga. Este é o primeiro ponto importante: há uma quantidade limitada de itens na prateleira, o que significa que ela não deve ser um segundo backlog (uma lista secundária de itens).

Outra característica é que todos os itens na prateleira têm custo para serem mantidos, pois precisam ser revisitados periodicamente. Isso significa que a prateleira não é um lugar para itens abandonados. Consequentemente, os itens na prateleira devem ter um prazo de expiração. Este é um momento em que temos que reconhecer que não vale mais a pena continuarmos investindo esforço e dinheiro na análise do item e podemos descartá-lo.

Cartão amarelo com borda fina contendo a história de usuário número 123. O texto diz: “Eu, enquanto Éder Estudante, desejo aprender mais sobre shelve para auxiliar a gestão do fluxo de trabalho do meu time.” Abaixo, há informações de datas: recebimento da demanda em 09/05/2025, colocado na prateleira em 15/05/2025 e data de expiração em 07/06/2025, destacada em vermelho.
Exemplo de item na prateleira (shelved) com data de expiração.

Quando o item sai da prateleira

Conforme mencionado, os itens na prateleira (shelved itens) possuem uma data ou período de expiração e não permanecem abandonados. Portanto, temos que revistá-los periodicamente para avaliar se devemos investir mais naquele item. No Kanban há momentos em que podemos fazer isso: na Reunião de Reabastecimento do Time (Team Replenishment Meeting) ou, dependendo do nível de maturidade, na Revisão de Pedido de Serviço (Service Request Review)

Podemos começar essas cadências (reuniões) justamente olhando para a prateleira e tomando a decisão de repor esses itens em andamento no fluxo ou descartá-los. Outra forma de saída desses itens é justamente quando ultrapassam a expiração, momento em que descartamos definitivamente o item. Essa expiração pode ser: 

  • uma data específica;
  • um período (ex: 3 meses);
  • a quantidade de reabastecimento ou revisões em que o item não é priorizado.

Conclusão

Em suma, a prática de “colocar itens na prateleira” (shelve) no contexto da gestão de fluxo de trabalho e Kanban não deve ser confundida com o arquivamento definitivo. Longe de ser um abandono, trata-se de uma decisão estratégica e temporária para itens de trabalho que, embora importantes, não podem ser processados imediatamente por falta de informações.

Ao gerenciar a prateleira, os times evitam o desperdício de dinheiro e tempo em decisões prematuras e otimizam o custo de oportunidade, direcionando esforços para o que é mais viável e rentável no momento. 

Se quiser saber mais sobre esse assunto dá uma olhada no nosso treinamento de Kanban System Design (KSD) e Kanban Systems Improvement (KSI)

Avelino segurando um microfone e uma camiseta preta escrita Agile. Ele é pardo, barba e cabelos grisalhos.

Sobre o autor(a)

Trainer na K21

Avelino Ferreira é formado e mestre em Ciência da Computação. Teve uma longa trajetória na TI, começando como programador e chegando a gestor de diversos times de criação de produtos digitais. Conheceu e começou a adotar as melhores prática de de Métodos Ágeis em 2008. Desde então, se dedica a auxiliar outras empresas na construção da cultura ágil. Atualmente, é Consultor e Trainer na K21

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