O que a era Bernardinho e o Management 3.0 têm em comum?

O que a era Bernardinho e o Management 3.0 têm em comum? Bernardo Resende, ou simplesmente Bernardinho, tornou o voleibol brasileiro tão vitorioso que seu nome facilmente é lembrado como sinônimo de excelência ou cultura de alta performance. Nossa seleção masculina passou cinco anos consecutivos no lugar mais alto de todos os pódios disputados e nos tornamos a principal potência no esporte, o time temido, a ser vencido, aquele que mudou o ritmo do jogo com bolas aceleradas e novas jogadas.

Como técnico da seleção masculina entre os anos de 2001 e 2017, conquistou duas Olimpíadas, três Campeonatos Mundiais, duas Copas do Mundo, três Copas dos Campeões e oito Ligas Mundiais, tornando-se o técnico mais vencedor do voleibol mundial de todos os tempos. Além das medalhas de ouro em Atenas 2004 e no Rio de Janeiro 2016, sua incrível trajetória olímpica ainda conta com mais duas pratas como técnico da seleção masculina, em Pequim 2008 e Londres 2012, dois bronzes como técnico da seleção feminina, em Sidney 2000 e Atlanta 1996, e uma prata como jogador em Los Angeles 1984.

Resultados tão consistentes e expressivos tornaram seu currículo difícil de ser superado e desejado. Através de seus feitos, este ex-atleta, técnico, economista e empreendedor brasileiro passou a ser reconhecido também como uma grande referência mundial em gestão e liderança, sendo disputado como conselheiro, mentor e palestrante.

Como grande fã do trabalho do Bernardinho e entusiasta do Management 3.0, uma forma de encarar gestão e liderança mais condizente com as necessidades de empresas da economia criativa, resolvi destacar alguns pontos convergentes entre essas duas visões e que defendo no meu dia a dia como agente de transformação organizacional. 

Antes de começar a detalhar um pouco mais esta relação, é importante deixar claro que o Management 3.0 defende que o trabalho de gestão é importante demais para ser deixado apenas para os gestores. Então, toda a atuação da liderança é orientada por suas seis visões:

  1. Energizar Pessoas: as pessoas são a parte mais importante de uma organização, a liderança deve fazer tudo que puder para mantê-las ativas, criativas e motivadas.
  2. Empoderar Times: as equipes podem se auto-organizar. Isso requer empoderamento, consentimento e confiança na gestão e liderança.
  3. Alinhar Restrições: a auto-organização pode levar a qualquer coisa. Portanto, é necessário proteger as pessoas, compartilhar recursos, dar às pessoas um propósito claro e metas definidas.
  4. Desenvolver Competências: as equipes não podem alcançar seus objetivos se seus membros não forem suficientemente capazes. A gestão deve, portanto, contribuir com o desenvolvimento de competências.
  5. Crescer a Estrutura: muitas equipes operam em um contexto de uma organização complexa, assim, é importante considerar estruturas que favorecem a comunicação.
  6. Melhorar Tudo: pessoas, equipes e organizações precisam melhorar continuamente para adiar o fracasso pelo maior tempo possível.

E também sustentadas por cinco princípios:

  1. Engajar as pessoas e suas interações: envolva as pessoas no trabalho, aumentando a interação entre elas.
  2. Melhorar o sistema de trabalho: O sistema não é apenas uma equipe, todos que interagem com a equipe fazem parte do sistema. Devemos tentar melhorar todo o sistema aumentando a relação ganha-ganha aumentando a visão sistêmica.
  3. Ajudar a encantar todos os clientes: os clientes não são apenas nossos clientes externos, consideramos todos os envolvidos no sistema como clientes. Devemos tentar encantar todos os clientes, não apenas os stakeholders ou apenas os nossos colegas de trabalho.
  4. Gerenciar o Sistema, não as pessoas: acreditamos que é difícil mudar o comportamento das pessoas. No entanto, quando você muda seu ambiente, as pessoas terão que se adaptar e mudar seu comportamento para se adequar ao novo ambiente. Também mudando o ambiente, as pessoas podem gerenciar a si mesmas. 
  5. Cocriar o trabalho: colegas de trabalho criam coisas juntos, e cocriar também é dar feedback uns aos outros e desenvolver novos comportamentos.

Agora que você conhece um pouco mais sobre o Management 3.0, vamos analisar o que o Bernardinho aplicava dela, sem mesmo conhecê-la. Convido vocês a tentarem identificar e escrever nos comentários quais princípios e visões do Management 3.0 estão relacionados às iniciativas do Bernardo Resende.

Bernardinho sendo arremessado para alto pelos seus atletas ao conquistar a medalha olímpica em 2004.
Bernardinho comemora o ouro olímpico com a Seleção masculina de voleibol nas olimpíadas de Atenas 2004. Flávio Florido. Publicado no UOL.

Times duráveis e diversidade de conhecimento

Assim que assumiu a seleção brasileira feminina, Bernardinho identificou que para montar um time consistente ele precisaria incorporar a força das cubanas, a estrutura tática das americanas, o bloqueio das russas, a técnica das chinesas e a defesa das asiáticas em geral. 

Não era algo trivial de se fazer, então o técnico montou uma comissão escolhida a dedo, um time multidisciplinar de talentos complementares composto por José Inácio Sales Neto, Ricardo Tabach, José Francisco dos Santos, Serafim Ferreira Borges, Carlos Moura, Álvaro Chamecki, Ney Pecegueiro do Amaral, Guilherme Tenius, Maria Auxiliadora Castanheira e Roberta Giglio.

Quando atribuem ao treinador o sucesso por todas as conquistas, ele faz questão de mencionar que “Bernardinho” é esse time incansável de pessoas. Ao ser convidado para liderar a seleção masculina em 2001, o treinador não pensou duas vezes e levou todas essas pessoas para ajudar a enfrentar este novo desafio.

Recompensas

Um dos grandes objetivos do Bernardinho era criar um espírito de equipe que tornasse o desempenho coletivo muito superior à mera soma dos talentos individuais. 

Em 2002, a federação internacional comunicou que a premiação em dinheiro para destaques individuais no Campeonato Mundial seria de US$100.000, o que o levou a interpretar como uma armadilha, um convite a individualidade, podendo criar um desequilíbrio dentro do time. Bastava comparar com o valor oferecido ao coletivo pela CBV (Confederação Brasileira de Voleibol) que era de R$20.000 para saber que ser campeão mundial não era tão lucrativo quanto ser um dos destaques da competição.

Seria insano tentar entrar em contato com a federação internacional para tentar mudar a estratégia de premiação, mas Bernardinho teve a ideia de criar um acordo de grupo explícito com o time, sugerindo que caso algum atleta brasileiro fosse escolhido como destaque da competição, metade do prêmio ficaria com ele devido ao seu esforço, talento e desempenho, e a outra metade seria dividida com os demais jogadores que o ajudaram a ter a performance de alto desempenho. Bernardinho afirma que neste momento, quando os atletas aceitaram esta condição, ele realmente sentiu que o coletivo estava acima do indivíduo e que aquele time tinha grandes chances de brilhar.

Naquele ano as premiações de melhor atacante e melhor levantador da competição ficaram com André Nascimento e Maurício Lima respectivamente e foram divididas como acordado. Curiosamente, no ano seguinte, na Copa do Mundo do Japão, os prêmios de melhor atacante e melhor líbero ficaram com Giovane Gávio (Gigio) e Sérgio Dutra (Escadinha) e sem nenhum comunicado oficial entre os jogadores, as premiações foram distribuídas novamente. A cultura de excelência da seleção brasileira já tinha incorporado este acordo como uma norma e a orquestra continuava em harmonia.

Conflitos saudáveis e inteligência coletiva

A discussão entre duas pessoas, ela é inócua, ela é improdutiva. A discussão de duas pessoas enfrentando um problema direcionado, aí sim ela é construtiva. Nós debatemos, discutimos, divergimos, mas para enfrentar um problema, não apenas para divergir ou para desqualificar… Eu admiro alguém que pensa diferente de mim.

Bernardinho, Técnico de Voleibol

Em 2015 Bernardinho recebeu uma visita noturna inesperada em seu quarto no hotel onde a seleção estava hospedada. Durante a conversa, seu filho e capitão do time Bruno Rezende, o fez refletir sobre sua atuação como liderança de uma nova geração de jogadores. Bruninho defendia a ideia de que esta nova geração de jogadores não era igual à anterior. Não eram melhores, nem eram piores, eram diferentes e tinham necessidades diferentes. 

Sem desqualificar quem pensa diferente, Bernardinho começou a entender que agir da mesma forma, com a metodologia do passado (aperta, espreme um pouco mais e eleva o sarrafo) não iria alcançar os resultados esperados. O jogo mudou e esta geração precisava de mais conexão e cuidados do que cobranças. Seu grande lema “aos campeões o desconforto” foi adaptado para que o desconforto também atendesse aos cuidados necessários já que como ele defende, sua indústria não é de títulos e sim de pessoas.

aos campeões o desconforto

Bernardinho

A liderança como guardião dos valores

Dentro de sua atuação como técnico, um dos momentos mais difíceis de sua carreira foi o corte do jogador Ricardo Bermudez Garcia em 2007. Ricardinho, como era conhecido o levantador, foi o principal responsável pela impressionante velocidade com a qual a seleção enfrentava seus adversários. Com um ritmo insano e novas jogadas, o Brasil estava muito à frente de todas as outras seleções no mundo. Mas o que levaria o treinador a cortar um atleta que foi eleito o melhor levantador da Copa dos Campeões de 2005 e o melhor jogador da Liga Mundial de 2007, ano no qual foi cortado dos jogos panamericanos do Rio de Janeiro?

Neste momento não quero aprofundar em detalhes, que até hoje estão “dentro de casa”. Vou focar na insatisfação e indisciplina, citada nas biografias Giba neles e Degrau por degrau dos jogadores Giba e Serginho respectivamente. Neste caso, a insatisfação tornou-se um forte gatilho à indisciplina, o que viria a impactar todo o time.

Para Bernardinho, existem diversas variáveis que podem ser negociadas, mas nunca os valores. O treinador defende que a cor da camisa, o tipo de treino, uma taxa, um prazo… tudo isso pode ser negociável. Mas os valores, não. Respeito, trabalho duro, trabalho em equipe quando alinhados são inegociáveis. E se, quando deparamos com a relação desempenho vs. cultura começamos a duvidar de nossos valores, algo está muito errado.

Uma das coisas que o Bernardinho também defende é que desalinhamento de valores não é julgamento de caráter. O desalinhamento é com a cultura existente e a pessoa pode se encaixar perfeitamente em outra cultura.  

Objetivos claros e compartilhados

Todos temos ambições e sonhos, e se sonharmos juntos, podemos superar obstáculos de forma mais criativa e inteligente. Segundo o treinador, um sonho pode ser compartilhado através de uma visão de futuro clara, como “Estar em todos os pódios dos torneios disputados nos próximos 5 anos“. A mensagem era clara para a seleção feminina, estar em todos os pódios significa estar sempre entre as melhores equipes. 

Em seu livro Transformando suor em ouro, Bernardinho traz uma fábula infantil sobre um menino que todos os dias, no final da tarde, empunhava sua atiradeira, caprichava na pontaria, esticava as tiras de borracha e disparava na direção da Lua. Seus amigos, vendo sua falha, logo o estimulam a parar de tentar algo que em sua visão seria impossível. Em sua resposta, o menino afirma que sabe que nunca acertará a lua, mas a cada dia ele pode atirar sua pedra mais perto dela.

Como retratado por Giovane Gávio no vestiário antes da primeira partida mata-mata (perdeu volta para casa) contra a Polônia na campanha do ouro em Atenas: “Ninguém treinou tanto, ninguém merece mais que nós… e certamente ninguém acordou mais cedo.” e isso só foi possível graças a um sonho compartilhado.

Aprendizado contínuo

Com um sistema educacional conhecido por punir excessivamente o erro e incentivar o aluno a ter as respostas corretas para as questões que são impostas, estamos formando gerações com mentalidade sólida, o que a psicóloga americana Carol Dweck define como mentalidade fixa. Gerações que não querem correr riscos justamente por temer o erro.

Bernardinho acredita que a formação de indivíduos é essencial, e não apenas em skills técnicos, mas também no que o Simon Sinek chama de Human Skills. Em um jogo onde cada erro vale um ponto para o adversário, precisamos ter inteligência emocional para aprender rapidamente dentro de cada jogada. Se eu passar errado, em 15 segundos o adversário vai sacar em mim para provocar um novo erro. O ciclo de feedback não pode ser longo, equivalente a uma temporada ou um torneio ou até mesmo uma derrota. É preciso aprender enquanto o próprio jogo é jogado e isso requer resiliência ao extremo.

Para o treinador, desenvolver as pessoas é papel fundamental da liderança. Ele vai além e fala que o propósito dele não é ganhar medalhas. Seu objetivo de vida é capacitar pessoas/atletas. Ele afirma que se um atleta passa uma temporada com ele e não evolui, ele falhou completamente em sua missão. Bernardinho cita 3 tipos de capacitações:

  • A técnica, que habilita a atleta a entrar no jogo;
  • A emocional, que é o mantém a atleta no jogo (comportamental);
  • A de adaptação, que é o que mantém os resultados.

Através da capacitação contínua, ou do aprendizado contínuo, é que podemos encarar o medo de enfrentar as adversidades. Na verdade, o medo sempre vai existir, mas se não estivermos preparados, segundo Bernardinho, ele vira pânico. Citando Bob Knight, Bernardinho sempre frisa que “a vontade de se preparar precisa ser maior que a vontade de vencer”. 

Data-driven e coesão social 

Uma das grandes características das temporadas mais vitoriosas do vôlei brasileiro era o fato de o time performar de acordo com informações ricas de seus adversários. Além do talento de cada jogador, que o Bernardinho frisa que não vale muito sem suor e dedicação, os atletas conseguiam investir suas excelências (maiores habilidades) direcionadas aos pontos de melhoria de seus adversários. Através das informações conseguiam evoluir pontos fracos e jogar taticamente correto.

Outro fator importante utilizado para surpreender os adversários era a rotatividade de jogadores em quadra. Com um nível técnico elevado, todos os jogadores estavam motivados e engajados a entrar a qualquer momento para decidir um jogo. A seleção era praticamente escalada de acordo com seu adversário, onde reservas e titulares estavam tão coesos que não existia uma posição certa. O fato mais importante é que todos estavam dando o máximo para o time ir mais longe. Jogando melhor, um jogador estava desafiando seus parceiros a jogarem melhor, e isso era claro dentro do time. A responsabilidade coletiva estava sendo utilizada para chegar em um novo patamar de excelência.

Celebrar conquistas

Durante toda sua jornada vitoriosa, Bernardinho tem orgulho de falar que a consistência de seus resultados foi norteada por 3 Fs:

  • Foco: naquilo que é importante e na eliminação de ruídos. Onde os ruídos são coisas incontroláveis;
  • Força: para lidar com a adversidade e seguir em frente lidando com os nãos que fazem parte do percurso;
  • : acreditar nas pessoas que o cercam e acreditar no trabalho, em estar fazendo parte de algo maior do que ganhar medalhas.

Aos poucos, o treinador aprendeu que faltava um quarto F, o de festejar. Sempre focado no próximo passo, ele estava ausente das comemorações, trancava-se em algum lugar para estudar e descobrir novos caminhos. Bruninho, como um excelente capitão e atento às necessidades do time, o alertou e sinalizou que o time sentia sua falta nos momentos de celebração. A partir deste momento, essa nova competência começou a ser praticada.

Conclusão

Assim como no esporte, lidar com pessoas é um grande desafio dentro das organizações. As empresas da economia criativa precisam reinventar-se a todo momento, encarar de frente mudanças constantes, adaptar-se às adversidades e lidar com a complexidade inerente à natureza dessa nova forma de trabalho.

Bernardinho e sua comissão técnica, além de desenvolver cada indivíduo de seu time, formaram lideranças que suportaram o amadurecimento da seleção através do tempo. Para as organizações, a formação de lideranças não pode ser mais negligenciada. São essas pessoas que acolhem os novos colaboradores e os desenvolvem para encarar os desafios de manter a organização financeiramente e culturalmente saudáveis. 

Percebeu que mesmo sem conhecer o Management 3.0 o técnico formou gerações da seleção através de uma gestão muito consistente e totalmente convergente com os princípios e visões desta abordagem? Venha fazer o treinamento de Management 3.0 comigo na K21 para entender como ela pode ajudar sua organização e tornar-se mais resiliente e lucrativa.

Referências

Sobre o autor(a)

Agile Expert e Trainer na K21

Iniciou sua carreira desenvolvendo produtos digitais em 1999 atendendo a diversos nichos de mercado. Teve seu primeiro contato com Agilidade em 2003 e desde então trabalha com lideranças e mudanças organizacionais. Tornou-se praticante do Management 3.0 em 2016 e desde então participou de diversas transformações digitais utilizando este modelo de gestão e liderança.

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