O melhor hack para dar feedback: a Matriz de Faixas

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Esta é uma ferramenta que auxilia no esclarecimento de expectativas, feedbacks e formação de acordos em qualquer relação de trabalho. Ela é diferente de, por exemplo, uma lista de requisitos do cargo porque ela foca menos nos comos e nas tarefas que esperamos que a pessoa vai executar e mais nos resultados que esperamos que ela gere e nos comportamentos que esperamos que ela exiba para estar adequada a uma determinada faixa.

Neste artigo vamos abordar 11 aspectos relacionados à matriz:

  • Conceito: de onde veio a matriz e quais são suas premissas
  • Estrutura: como ela é montada e o que cada parte do diagrama significa
  • Eixo X: exemplos de definição de comportamentos
  • Eixo Y: exemplos de definição de resultados
  • Gerando reflexão com a matriz
  • Zona inaceitável: o que significa estar nas áreas pretas do diagrama e como tratar
  • Zona cinza: o que significa estar na zona cinza e como tratar
  • Estabelecendo um estado desejado
  • Caminho de evolução horizontal
  • Caminho de evolução vertical
  • Lidando com baixa performance

Conceito: de onde veio a matriz e quais são suas premissas.

Há vários anos, em um dos canais da K21 sobre compartilhamento de conhecimento, o Panda (Antonio Gerent) trouxe um artigo do Charles Lambdin chamado “What you Incentivize is Your Policy – All Else is Lip Service”. Ao ler o artigo, fiquei chocada com a materialização de algo que sempre foi uma verdade cristalina para mim, mas que frequentemente eu tinha dificuldade de explicar para líderes: que existem sempre dois grandes eixos na contribuição que uma pessoa faz no trabalho. Um eixo é sobre o resultado que ela é capaz de gerar e o outro é sobre a forma como ela se comporta.

Sobretudo, sempre me incomodou demais como os líderes acabam recompensando pessoas que estão dando resultado de uma forma torta e às vezes até antiética (com bônus, promoções etc) e como também recompensam pessoas que fazem tudo certo, mas não entregam resultado (com a manutenção do emprego, mérito por tempo de casa e afins). No artigo, temos clareza que devemos:

  • Recompensar pessoas que entregam muito resultado da forma certa (isso geralmente acontece mesmo)
  • Demitir pessoas que continuamente não entregam resultado e agem de uma forma errada (parece óbvio, e é. Mas nem sempre acontece.)
  • Prover coaching para a pessoa que faz as coisas do jeito certo, mas não sabe entregar resultado (é menos óbvio, dado que frequentemente líderes sentem a dor, reclamam, mas não tomam para si a responsabilidade de realizar ou viabilizar o coaching)
  • Demitir mais rápido ainda as pessoas que entregam muito resultado da forma errada (este é raríssimo. Frequentemente essas pessoas são promovidas ou mantidas. A consequência é que a organização “aprende” que a forma de ser promovido ou manter seu emprego é fazer as coisas da forma errada)

Mas este artigo é só o ponto de partida. Se quiser saber mais sobre ele, pode ler depois aqui.

Durante o trabalho com líderes em clientes e dentro da própria K21/Nower, identificamos que esta matriz ajudava muito a dar feedbacks, realizar dinâmicas de autorreflexão, mapear gaps e conduzir pessoas em evolução de carreira. Mas havia cenários mais complexos do que apenas o 2×2 da matriz original. Tivemos que adaptar. E foi assim que surgiu a Matriz de Faixas.

Estrutura da Matriz de Faixas

A Matriz de faixas tem 2 eixos, mas pode ter diversos quadrantes, onde cada um é uma faixa a ser explorada. Usamos o termo faixa porque ele pode englobar:

  • Diferentes cargos dentro de uma trilha de carreira
  • Diferentes faixas dentro do mesmo cargo
  • Diferentes níveis de responsabilidade dentro de uma mesma iniciativa ou alçada
  • Diferentes acordos dentro de relações de contratação de terceiros e fornecedores

O “caminho virtuoso” é aquele que traça uma diagonal ascendente no centro da matriz. Em uma trilha de carreira, por exemplo, é esperado que uma pessoa se desenvolva galgando os quadrantes próximos à essa diagonal.

Quem cria e preenche a matriz costuma ser a liderança, mas dependendo da estrutura da empresa este pode ser um esforço conjunto. Mesmo que uma única pessoa desenhe a primeira versão, eu recomendo que a mesma passe por feedbacks para ajustes e testes de compreensão.

Veja abaixo a carreira fictícia de uma Product Owner por exemplo:

Eixo X:

0: Se interessa pela área de produto e busca referências de mercado. Estuda e absorve conhecimento quando direcionada. Tende à tarefação e tem dificuldade de fazer perguntas de forma empática mas firme. Justifica decisões se escorando em outras pessoas.

Jr (1): É boa ouvinte, faz perguntas poderosas e identifica necessidades de diferentes partes, mas precisa de ajuda para priorizar. É estudiosa, e busca novas ferramentas, técnicas e conhecimentos de forma proativa.

Pl (2): Sabe escolher as brigas certas e prioriza de acordo com métricas. É desapegada de métodos, usando o cinto de utilidades quando necessário com maestria. Sabe equilibrar demanda para manter seu time saudável, dosando momentos de “milha extra”com cautela.

Sr (3): É uma referência em técnicas e em relacionamento para dos demais POs. É extremamente hábil em gestão de conflitos e mentora POs naturalmente. Tem visão estratégica e sistêmica, ajudando times em situações difíceis a encontrarem soluções sem perder o foco no resultado. Cria padrões a serem usados pelos demais POs.

Eixo Y

0: Comemora entregas e não resultados. Desconhece as métricas do seu produto. Ao ser questionada, traz eventos e justificativas em vez de métricas e resultados.

Jr (1): Conhece as métricas do seu produto e é capaz de identificar pontos de alavancagem com ajuda. Tem dificuldade em fatiar de forma estratégica, mas é capaz de gerir o fatiamento para gerar resultado quando o mesmo está dado. Acompanha métricas e resultados com frequência uma vez que é orientada.

Pl (2): Domina as métricas do seu produto e de produtos relacionados. Conhece a performance e o custo do time e usa estas métricas para tomada de decisão. Toma decisões baseadas nas métricas e depende pouco de orientações externas para entrega de resultado. Equilibra bem discovery e delivery.

Sr (3):  Toma decisões estratégicas de fatiamento para reduzir risco e custo, entregando valor a cada sprint/release. Mantém análise de concorrência e ofensores, tendo na ponta da língua comparações de resultados e impacto. É capaz de definir e coletar métricas de negócio para produtos, suportando decisões executivas. Apóia POs que têm dificuldade em gerar resultados. É capaz de liderar estratégias de alto risco para gerar rápido retorno sobre o investimento. 

Eixo X

No eixo X, vamos definir quais comportamentos queremos para cada faixa. Aqui estamos tentando explicitar que comportamentos queremos observar que são específicos para aquele nível de maturidade. É provável que a sua empresa tenha também um código de conduta a ser seguido, mas é importante deixar claro que ele é o baseline para qualquer funcionário. Em geral, a matriz é mais eficaz e enxuta se excluirmos estes comportamentos gerais e oferecermos outro lugar para consultá-los.

Tente deixar claro comportamentos desejados, mas também explicite comportamentos que são aquém do ideal, mas normais para aquela faixa. Por exemplo, no caso da PO acima, explicitei “Tem dificuldade em fatiar de forma estratégica” para uma PO Jr, porque é completamente fora da expectativa que essa pessoa saiba fazer um bom fatiamento sendo Jr. Deixar este limite claro reduz a ansiedade e ajuda a pessoa a focar no que é realmente necessário.

Importante: tanto para o eixo X quanto para o eixo Y, você pode se inspirar na matriz de outra empresa ou outra área, mas é importante que você crie a sua, adequada à realidade do seu cenário, seus desafios e cultura da sua empresa.

Eixo Y

No eixo Y, queremos definir que cara tem o “resultado” de acordo com cada faixa. Sabemos que as expectativas sobre resultado provido por um Jr ou um Sr são dramaticamente diferentes e é importante deixar claro o que é sucesso por faixa. Isso ajudará o líder e o liderado a identificar facilmente tanto os gaps quanto as vitórias, criando consciência sem criar ansiedade.

Dentro do possível conecte os resultados com métricas e impacto (quanto mais próximo de impacto financeiro, mais fácil costuma ser a autorreflexão). Por exemplo, uma desenvolvedora pode ter como métricas a acompanhar redução de bugs, métricas de uso do produto (retorno sobre o investimento de desenvolver), custo das soluções (colocar soluções mais baratas no ar, mesmo que não sejam tecnicamente perfeitas é sempre um desafio, e quanto mais sênior a desenvolvedora, mais compreensão de onde investir ou não esforço ela tem – o que costuma tornar as soluções mais baratas. Uma pessoa mais Jr provavelmente vai se apegar em completude e evitar retrabalho, pois não sabe que a refatoração é uma realidade em qualquer produto de software e o que queremos é algo bom o suficiente para aprender com o uso do cliente e depois evoluir).

Gerando reflexão

Uma vez com a matriz preenchida e após alguns feedbacks de pessoas próximas que conheçam o contexto, você pode chamar a pessoa que está em alguma daquelas faixas, apresentar a matriz para ela e pedir que ela identifique sua faixa. Trataremos aqui o exemplo da Paula, da Maria e da Jéssica.

Paula é uma PO plena. Ela encontra sua faixa e em seguida é orientada a identificar os comportamentos adequados àquela faixa (eixo X). Paula faz algumas perguntas para entender melhor o que cada comportamento significa (e aqui pode haver feedback para melhorar o texto). Rapidamente ela percebe que  em termos de comportamento, ela está super adequada. No entanto, quando ela observa o eixo Y, Paula percebe que:

  • Não domina as métricas do seu produto
  • Precisa de ajuda para priorizar
  • Tem vários eventos de hora extra no time, gerando aumento de custo para a empresa

Fica claro para Paula que ela se comporta como Plena, mas dá resultados como Jr.

Maria é uma PO Sr. Ela é ultra focada em resultados mas peca nos comportamentos. Para que ela esteja adequada à sua faixa, ela percebe que precisa corrigir seus comportamentos e que não fará sentido pleitear uma promoção antes que isso seja resolvido e ela comece a demonstrar comportamentos e/ou resultados do próximo passo (que pode ser outro cargo que não está nessa matriz).

Jéssica é uma PO Jr. Ela tem os comportamentos de Jr, mas já domina métricas do seu produto e está demonstrando uma série de resultados excepcionais. Este é o momento de começar a discutir uma promoção para Jéssica e prepará-la para subir um degrau. Para isso, ela terá que investir nos seus comportamentos.

Zona Inaceitável

Além das três POs citadas acima, temos o João, que é um PO Jr. No entanto, ele se comporta de acordo com o “0” da matriz no eixo x e o “Jr” no eixo Y. Em geral, 0 é como se fosse uma nota de corte. João recebe feedback, mas terá um tempo definido e curto para sair do zero, ou não poderá ser mantido na empresa. Se no 0 o comportamento descrito for algo antiético, nem o primeiro feedback João deve receber.

Esta é a Zona Inaceitável, onde você deve definir os comportamentos, habilidades e atitudes que compõem uma linha na areia. Algo que, se a pessoa cruzar, é inaceitável e motivo para demissão.

Conhecer a Zona Inaceitável é crucial para evitar demissões surpresa, que serão vistas pela pessoa demitida como injustas. É um acordo claro a ser mantido por todas as partes.

Zona Cinza

A Zona Cinza é a região em que a pessoa atua de forma próxima à sua faixa em um dos eixos mas está muito aquém no outro eixo. Por exemplo, Jorge está na zona cinza porque ele já é Sr, mas se comporta como se fosse Jr. 

Caso a pessoa esteja na Zona Cinza, é importante desenhar um plano de recuperação e mentoria/coaching que dure – minha sugestão – no máximo 4 meses. Pessoas na zona cinza são vistas pelo resto do time como um peso e costumam contaminar os demais rapidamente. Se seu time está em baixa performance e você tem alguém na Zona Cinza, esta é uma boa hipótese do motivo.

Estabelecendo o estado desejado

Uma vez que sabemos onde a pessoa está neste momento e onde ela deveria estar, é possível montar um plano de evolução, sempre fatiando qual é o desafio mais imediato. Cuidado com este ponto: se você orientar a pessoa a desenvolver muitos aspectos simultaneamente, ela não conseguirá evoluir em nenhum e o esforço de ambos será infrutífero.

Use ferramentas de coaching e mentoria para trabalhar com a pessoa semana a semana em busca desta evolução.

Caminho de evolução horizontal

Para fazer um movimento na diagonal, se a pessoa precisa focar em desenvolver um pequeno grupo de atitudes por vez, o esperado é no caminho padrão de evolução ela precise fazer sempre dois movimentos: um horizontal e um vertical.

Kauê é um PO Jr que está plenamente adequado a sua faixa. Ele definiu que quer ser promovido para Sr em um ano. Isso significa que Cauê terá que escolher para que quadrante quer se movimentar primeiro. Ele pode desenvolver seus comportamentos (atuar do jeito certo) ou pode desenvolver sua entrega de resultado. Se Kauê tentar evoluir nos dois aspectos simultaneamente, ele provavelmente terá muitas dificuldades, dado que estará buscando esse desenvolvimento sem o foco necessário.

Caso ele escolha se movimentar horizontalmente primeiro, Kauê precisará de um plano de desenvolvimento que enderece suas atitudes, relação com os pares, como ele escolhe brigas e como ele mantém seu time saudável.

Caminho de evolução vertical

No entanto, se Kauê escolher investir no eixo Y, ele terá que estudar formas de dominar métricas do seu produto, aplicar práticas de discovery e delivery para reduzir o risco de investimento, além de efetivamente demonstrar a evolução dos resultados de negócio do produto que gere.

É importante ter clareza aqui que, tanto para o eixo X quanto para o Y, não estamos falando de quanto a pessoa estuda, os cursos que ela faz ou o discurso que ela adota. Estamos falando da atuação da pessoa na prática, e os conhecimentos adquiridos são um meio para evoluir nesta atuação, mas não a finalidade da evolução. Não adianta ter várias certificações e treinamentos de produto e continuar executando tarefas e esperando que a gestão defina o caminho para dar resultado.

Neste processo, precisamos deixar claro para a pessoa que a mudança de quadrante será baseada nas evidências dessa atuação, e que a percepção do time, dos pares, dos líderes e dos stakeholders é levada em consideração. Desta forma evitamos que a pessoa fique frustrada quando ela entende que está atuando de uma determinada forma, mas as pessoas com quem ela trabalha não têm esta visão. O profissional não é uma ilha e precisa atuar bem dentro do seu contexto para gerar resultado do jeito certo. Problemas de percepção têm tanta importância quanto o próprio conhecimento e capacidade do indivíduo.

Lidando com a baixa performance

Quando a pessoa atua além da sua faixa e entrega resultado do jeito certo, o próximo movimento é óbvio: uma subida de faixa é iminente. No entanto, quando a pessoa continuamente se mostra aquém da faixa onde está, como devemos tratar?

A primeira preocupação aqui é entender se a pessoa tem clareza que está aquém do que é esperado para sua faixa. 

Caso a pessoa não tenha clareza, é necessário uma conversa franca e inequívoca, onde a pessoa pode até não concordar ou achar justo que as demais tenham esta percepção sobre ela, mas o recado tenha sido dado sem espaço para que ela diga que não tinha ciência do problema.

Se ela já tem essa clareza, provavelmente ela está ansiosa e com medo, e precisamos acolher e buscar esvaziar o excesso destes sentimentos, porque eles podem atrapalhar as decisões e movimentos que a pessoa precisa fazer.

É importante lembrar à pessoa que estar inadequado a uma faixa não é o fim do mundo e existem algumas opções à nossa disposição. Podemos: 

  • Buscar desenvolver a pessoa para encaixar na faixa certa
  • Buscar outro lugar para a pessoa no mercado
  • Se for um fornecedor, podemos renegociar o contrato

Esta decisão precisa ser tomada em conjunto, e dará mais segurança e mais saúde mental a todos os envolvidos, além de ter efeito positivo na percepção de justiça e motivação do time.

Ficou com dúvida? Me procura no LinkedIn e vamos trocar uma ideia!

Quer aprender mais sobre gestão veja o nosso treinamento:

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Sobre o autor(a)

Agile Expert e Trainer na K21

Consultora, Trainer e sócia na K21, trabalha com estratégia de negócios, produtos, governança e desenvolvimento de performance de equipes há mais de 10 anos. É autora da série de livros O Produto Ágil, e de OKR e estratégia de negócios para transformação (US e BR).

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