O que é gargalo
Quando falamos sobre Kanban um dos nossos principais objetivos é identificar onde está o gargalo do nosso fluxo. O gargalo é a etapa em que os itens permanecem por mais tempo. É fundamental resolver os gargalos do fluxo, pois eles ditam o ritmo de saída (velocidade) do nosso time / squad. Qualquer melhoria fora do gargalo trará apenas um ganho marginal.
Já apresentamos o Lead Time Breakdown Chart (Gráfico de detalhamento do tempo de espera). Nele você pode ver item a item ou uma média dos itens em qual etapa o trabalho engargala. Entretanto podemos ficar sem entender como o gargalo se formou.
Blip
Blip é um termo um tanto desconhecido, mas existe. Eu juro 😀. É um evento repentino que na maioria das vezes não causará grandes problemas e em breve as coisas retornarão ao normal. Salvo quando alguém resolve atuar no blip achando que essa é a situação definitiva e aí vai tudo para as cucuias.
Workflow Heatmap
O Workflow Heatmap (Mapa de Calor do Fluxo de Trabalho) pode nos ajudar a contar essa história.
Neste gráfico temos no Eixo Y as etapas do fluxo de trabalho:
- Upstream: Backlog, análise, validação, priorização
- Downstream: a fazer, desenvolvimento, testes e avaliação, entrega
O eixo X representa o período de análise. No caso, as semanas entre julho e setembro de 2023.
Avaliando o HeatMap
Neste gráfico temos uma tabela de calor. Quanto mais escuro, mais itens estavam parados naquela etapa durante a semana analisada.
Recebimento de Demandas
Olhando para o gráfico acima podemos perceber que o time recebe mais demandas do que é capaz de atender, pois o “termômetro” do Backlog está sempre “quente”. Infelizmente é muito difícil mexer nessa taxa de chegada. Seria equivalente a um hospital pedir para as pessoas não ficarem doentes. Vamos então achar outras etapas que apresentem o gargalo.
Gargalo
Depois do backlog, vemos que a etapa mais “quente” é justamente a “A Fazer”. Nela estão os itens que foram estudados, refinados, avaliados e priorizados no upstream e estão esperando que alguém inicie o Downstream. Aqui é importante conhecer o fluxo de trabalho, porque alguém mais afoito poderia concluir que o problema está em “A Fazer”, quando na verdade esta é uma etapa de espera. Se ela é uma etapa de espera, então o gargalo está na etapa que vem logo após ela. No caso, Desenvolvimento.
Blip
Olhando o gráfico parece que algo aconteceu de estranho no Desenvolvimento. Veja que até a semana do dia 31/08/2023 ele parecia estável (temperatura entre bege e laranja) e na semana do dia 07/08/2023, ele “esfria” totalmente (coloração amarela clara) e cai para 1 item por semana com um pico de 5 itens por semana. Paralelamente, a etapa A Fazer começa a ficar cada vez mais quente, chegando em um pico de 35 itens na semana do dia 28/08/2023.
Como dizia meu amigo Lucas Gomes: “toda métrica é um convite para uma conversa”. O que aconteceu nessas semanas? Os dois principais desenvolvedores desse time saíram de férias. Por isso a queda e o “esfriamento” em todas as etapas do downstream. O pessoal que cuidava do Upstream não parou e continuou gerando trabalho que ficou engargalado no A Fazer entre as semanas de 07/08/2023 até 11/09/2023.
Consequência de atuar no Blip precipitadamente achando que era definitivo
No dia 11/09/2023 um dos desenvolvedores retornou das férias e na semana do dia 18/09/2023 o segundo desenvolvedor retornou. Todavia parecem tentar um esforço heroico (fazer muita coisa ao mesmo tempo para recuperar o tempo perdido), pois a quantidade de itens em Desenvolvimento aumentou a partir do dia 11/09/2023, porém isso não resultou em um aumento nas etapas subsequentes.
Resolvendo o gargalo repentino
Se você chegou até aqui provavelmente já entendeu o funcionamento do Workflow Heatmap. Nesta seção vou apresentar como resolvemos o problema.
Esforço Heroico não é uma boa saída
Dado o contexto, se nada fosse feito, a tendência seria os efeitos do blip (férias dos desenvolvedores) passar e o fluxo voltar ao normal. Porém como eles entraram no modo heróis da salvação, a coisa degringolou. O esforço heroico tem a aparência de bom, porém na prática foi maléfico. Fazer muitas coisas ao mesmo tempo piorou o problema. A quantidade de entregas continuou baixa e houve apenas o deslocamento do gargalo do A Fazer para o Desenvolvimento.
O que fizemos foi parar a quantidade de itens em Desenvolvimento. Não entra nada até voltar para os patamares anteriores (até 12 itens). Isso causa um aumento no A Fazer.
Após essa decisão podemos ver algumas alterações a partir de 02/10/2023. A primeira é que o Desenvolvimento começa a “esfriar” enquanto a Entrega começa a “aquecer”. Como a decisão foi não entrar nada até que fosse restabelecido o fluxo normal de Desenvolvimento limitando o WIP em 12 itens, o “aquecimento” de A Fazer foi inevitável.
Consequência de atuar no gargalo repentino apressadamente
O último Workflow Heatmap deste artigo apresenta o que aconteceu até novembro.
Quando a quantidade de itens em progresso de Desenvolvimento normalizou, novos itens puderam entrar e a etapa de A Fazer voltou a “esfriar” a partir de 23/10/2023 e retornou a temperatura normal a partir de 27/11/2023.
Se nada tivesse sido feito, se os desenvolvedores ao retornar das férias tivessem mantido a velocidade anterior, é provável que em poucas semanas, todo o gargalo repentino do A Fazer tivesse sido resolvido. Entretanto, como houve um esforço heroico, levou quase 2 meses para resolver o problema.
Lições Aprendidas
1. Cuidado com a escala de férias do time.
Eu, enquanto gestor, não limito as férias de ninguém, porém não podemos deixar ao “Deus dará”. É preciso antecipar os problemas e, pelo menos, se preparar para o impacto quando ele chegar.
2. Esforço Heroico apenas em situações que precisam de heróis.
Não quero ser leviano e achar que todo esforço heroico resultará em catástrofes. Em alguns momentos ele já me salvou. Todavia há algumas restrições para ele: 1) Se possível não faça; 2) Caso aconteça, que sejam pouquíssimos; 3) Ele deve ter prazo para acabar; e 4) Requer recompensas e reconhecimento.
Faça um paralelo, você vê o Batman enfrentando o Coringa, mas nunca viu o Batman enfrentando o Tonhão que bate carteira na Central do Brasil. O herói atua em pouquíssimos casos e pontualmente.
3. Estude as métricas antes de atuar.
É preciso olhar para as métricas, interpretá-las e só após um bom estudo atuar sobre elas. Isso fará com que você distinga o Blip de uma mudança real de comportamento do fluxo.
4. Métricas, Gráficos e Tabelas são bons, mas…
Pelo mais que eu ame métricas, adore ter gráficos e tenho uma paixão por exportar dados das nossas ferramentas de gestão para tabelas (liberdade 🗽 😀), nada disso substitui uma boa conversa com as pessoas. Há informações que não estão nas nossas ferramentas e coisas que acontecem que não são registradas.
5. Workflow Heatmap
Desde que compreendi o Workflow Heatmap ele vem sendo um bom companheiro de análise do fluxo. Com ele eu consigo perceber se há algum desvio no comportamento do nosso trabalho e caso haja… vamos fazer uma boa conversa antes de tomar decisões.
Espero que essa ferramenta lhe seja útil.
Até a próxima!
À bientôt
P.S: Quer aprender outros gráficos do Kanban. Dá uma olhada nessa lista aqui
- Cumulative Flow Diagram (CFD) :: Auxiliar a gestão do fluxo de trabalho principalmente na avaliação das métricas e identificação de padrões
- Histograma do Lead Time :: Previsibilidade, prazos e Acordos de Nível de Serviço (SLA)
- Lead Time Breakdown :: Identificação de gargalos (reais) e andamento de itens individualmente no fluxo de trabalho.
- Monte Carlo :: Não é um gráfico, embora produza gráficos. É uma ferramenta para forecasting (previsibilidade futura baseada em dados históricos).
- Workflow Heatmap :: Identificação e movimentação de gargalos ao longo do tempo.