Autor do livro “Inovação | Digitalização | Transformação Digital”, Charles Schweitzer, Head de Inovação do Banco Carrefour, explica em detalhes o framework usado pela companhia para estimular o intraempreendedorismo entre os colaboradores e fortalecer o open innovation
O quanto suas ideias são bem recebidas no ambiente em que você trabalha? Essa provocação foi levada a sério pelo Banco Carrefour, que não tem medido esforços para transformar a organização em um hub de inovação.
Em abril deste ano, o braço financeiro do grupo varejista no Brasil criou, com a ajuda de seus colaboradores, a nova identidade visual do Lab de Inovação. Nascia então, em conjunto com a nova marca, o Portal de Inovação Interna, para estímulo do intraempreendedorismo: LAB368.
A LAB368 é uma incubadora com foco nas áreas de vendas, resultados, experiência do cliente, processos e sustentabilidade. E é apenas um de uma série de elementos contemplados no framework criado por Charles Schweitzer, Head de Inovação do Banco Carrefour.
Além de estimular o intraempreendedorismo, a estratégia é tirar vantagem do ecossistema no qual o banco está inserido, incluindo a conexão com gigantes como Carrefour e Atacadão, e a mais recente aquisição: o grupo Big (ex-Walmart), adquirido no fim de março por R$ 7,5 bilhões.
Em entrevista à K21, Schweitzer falou sobre inovação, agilidade, transformação digital e como escalar ideias desenvolvidas dentro de casa. Falamos também sobre seu livro, publicado recentemente, com o objetivo de esclarecer o que é, de fato, Inovação, Digitalização e Transformação Digital, e como é possível avançar estrategicamente sobre esses três conceitos.
Confira a entrevista na íntegra!
Qual foi sua motivação para escrever o livro Inovação | Digitalização | Transformação Digital?
Charles Schweitzer – O que me motivou a escrever esse livro foi o seguinte: eu comecei a entender que várias pessoas que vinham fazer benchmarking com a gente no Banco Carrefour viam essas três estratégias como se fossem uma grande mancha, sem uma definição clara de onde uma começava, onde terminava, qual era o link com a próxima.
E muitas vezes as pessoas achavam que ao começar a jornada de uma dessas três estratégias, elas estavam na verdade fazendo as três.
O meu grande objetivo foi colocar uma lente corretiva, como se fosse um óculos mesmo, para as pessoas enxergarem a definição de cada uma dessas estratégias. Colocar, ainda que de forma bem simples e palatável, qual seria o passo a passo para começar e avançar dentro de cada uma dessas estratégias.
Então, a motivação do livro é essa. Primeiro, uma lente corretiva para entender onde começa e onde acaba, e quais são as fronteiras entre essas três estratégias. E depois, uma espécie de roadmap para você percorrer, ou pelo menos identificar em que estágio você e sua empresa estão.
Por que você considera esses os três conceitos mais importantes para as empresas prosperarem na Nova Economia?
Estamos falando de uma Economia que é digital, onde o seu segmento pode ser disruptado a qualquer momento por um player entrante, chegando com inovação.
Se você não colocar o cliente no centro das decisões da sua organização, inclusive reestruturando sua empresa em função da centralidade no cliente, você muito provavelmente vai estar fora do jogo em muito pouco tempo.
É claro que outras estratégias – e aí cada negócio tem a sua – têm a sua importância, e em alguns casos até a mesma importância que essas três. Mas em 2021, não podemos mais desconsiderar inovação, digitalização e transformação digital.
Falamos muito de não existir uma fórmula pronta, mas as pessoas acabam buscando um passo a passo, ou pelo menos o primeiro passo. O que você acredita que uma empresa precisa ter para virar essa chave e olhar para essas estratégias?
Mais do que o primeiro passo para cada uma dessas estratégias, o que é fundamental para conseguir virar essa chave dentro das organizações é convicção da liderança.
E isso independe do tamanho da organização. Pode ser uma empresa familiar pequena, o restaurante do bairro que tem como sócios quatro pessoas da família, ou pode ser uma gigante multinacional.
O que vai determinar o sucesso de cada uma dessas estratégias, o elemento fundamental, é a convicção da liderança em fazer esse movimento, em dar as condições para que as coisas possam acontecer dentro da organização.
Como você falou, não tem ‘bala de prata’. Digitalização é uma jornada. Inovação é uma jornada. Transformação digital é uma jornada. Não tem como falar assim: ‘Agora eu vou comprar inovação e instalar’. Não é assim.
Tem essa convicção de fundo e os elementos que ajudam as empresas a percorrerem essa jornada de forma mais rápida.
Como criar esse ambiente propício para que as pessoas inovem dentro das empresas?
Eu sempre tenho cuidado quando me perguntam sobre áreas de inovação. E olha que eu sou responsável por uma.
A área de inovação tem que ter pouco orçamento e pouca gente. E isso é absolutamente contraintuitivo. Todo gestor fala: “Preciso de muita gente, preciso de muito dinheiro”.
Se eu tiver muita gente e muito dinheiro, eu não preciso fazer inovação. Eu tenho tudo ali e simplesmente faço acontecer.
A inovação precisa estar calcada em uma baixa quantidade de recursos e de pessoas, para que ela tenha motivo para acontecer. Se eu não tiver uma dificuldade, um problema, eu não preciso de inovação.
O principal ponto é que as áreas de inovação precisam criar cultura de inovação. As três ou quatro pessoas que são os líderes de inovação dentro da empresa, que compõem uma área de inovação, precisam criar o “vírus” da inovação em todos os outros 600, 6 mil, 60 mil colaboradores.
O que você precisa mudar é a visão de problema e solução. Inovação está a serviço de alguém que tenha um problema. Se você tem problema, eu estou aqui para te ajudar. E aí eu ajudo com metodologia, pontes, conexões entre a empresa e o ecossistema de inovação aberta.
Você tem que ser um apaixonado pelo problema, e não pela tecnologia emergente ou pela última solução, realidade aumentada, QR Code ou Blockchain. Não é por isso que você tem que se apaixonar. Você tem que ser apaixonado pelo problema, e é o problema que toca alguma pessoa.
Inovação, no fim do dia, é de pessoas para pessoas. Quando você começa a colocar esse “vírus” e as pessoas começam a entender isso, todas elas viram potenciais inovadores e, portanto, potenciais intraempreendedores.
Assim, de alguma forma, você as coloca dentro de um novo propósito, que é o de resolver problema. E o que você dá para elas é um pouco de recurso, um pouco de metodologia, um pouco de conexão, e a mágica acontece.
Como você vê a relação entre Agilidade e Inovação?
Você nunca vai saber se uma empresa fez ou não transformação digital olhando para ela só como cliente. É impossível você dizer se a Nike, a Adidas, Centauro, Leroy Merlin ou Magalu fez ou não fez transformação digital, sendo cliente da marca.
O único jeito de você descobrir se a empresa fez ou não transformação digital é você entrando na organização e entendendo como ela está estruturada.
Se ela estiver centrada no cliente, é uma empresa que está fazendo ou já passou pelo seu processo de transformação digital. É uma parte invisível do iceberg.
Quando uma empresa não passou pela transformação digital, quem é responsável pela inovação e esses intraempreendedores vão acabar se desenvolvendo muito mais em inovações incrementais para o cliente da organização.
Porque neste caso ela não está centrada no cliente, e sim nos seus processos. Você cria um monte de oportunidade de fazer inovação incremental na ponta, para o cliente.
Quando a empresa já fez a transformação digital, portanto a jornada do cliente é o que orienta o organograma da empresa, a cada 15 ou 30 dias, uma ou duas sprints, você já está entregando inovação incremental para o cliente.
Logo, em uma empresa que já fez transformação digital você abre muito mais espaço para criar inovações disruptivas, seja do ponto de vista de tecnologia, de competências, de modelo de negócios. A transformação digital acaba ditando o sabor da inovação que poderá ser criada de uma forma mais consistente dentro da organização.
Empresas que não passaram pela transformação digital, foco maior em inovação incremental. Empresas que já passaram pela transformação digital, foco maior em inovação disruptiva.
Tem um estudo da PwC que publica todos os anos a matriz de inovação do país. E aqui no Brasil, quase 60% de todas as inovações de todas as organizações são incrementais.
Isso nos dá um pouco do “cheiro” da quantidade de empresas que já passaram versus a quantidade de empresas que não passaram pelo seu processo de transformação digital.
Se você acha que transformação digital é fazer um ecommerce, fazer um app e trabalhar em home office, você não entendeu nada ainda, você não fez transformação digital e provavelmente você tem muito espaço ainda para fazer inovação incremental enquanto você não se jogar nessa outra jornada.
Em um artigo sobre métodos ágeis no seu LinkedIn, você afirma que “o hype e o perfeccionismo na adoção e na utilização das ‘novas’ metodologias tem tornado equipes inteiras reféns delas próprias”. Por que as pessoas se prendem tanto ao ferramental e acabam esquecendo de adaptar e flexibilizar?
As pessoas estão procurando sempre receita de bolo. E de repente aparece alguém e fala assim: “Tá vendo? Essa semana teve dois dias que aquela squad não fez daily, não está rodando o ágil.”
O que é mais importante, a daily ou a entrega? O Manifesto Ágil já falava isso. O que é mais importante, interações com pessoas e software rodando ou processos e documentação?
O que é mais importante, você abrir espaço na sua agenda para efetivamente ser inovador e entregar solução para o seu cliente, ou fazer a daily? Ou fazer a review?
Está tudo bem se você perder determinados rituais, por quaisquer motivos que sejam. As empresas continuam fazendo construção de objetivos, planejamento estratégico, fóruns de fim de ano.
Existem outros rituais que também são tão importantes quanto, e você não pode bitolar na receita de bolo do que prega a metodologia.
Você tem que abrir espaço para o que eu chamo de ‘tocar jazz’. O improvisar para criar valor vale muito a pena. Entregar valor para o cliente sempre vai valer muito mais do que saber se você fez três, quatro ou cinco dailies na semana.
(Para quem quiser conferir, este é o artigo citado na pergunta.)
Como o Banco Carrefour consegue fomentar a inovação entre os colaboradores?
Nós temos um framework bem definido, que tem seis elementos, e agora a gente está começando a integrar outros dois.
A primeira parte, e mais importante, é uma matriz que cruza tecnologia e competência com modelo de negócios, e define quatro quadrantes.
Em cima desses quatro quadrantes, que acabam definindo quais são os tipos de inovação (incremental, radical, de ruptura e arquitetural), a gente tem uma metodologia para cada um: duas esteiras de intraempreendedorismo e duas esteiras de open inovation.
No primeiro quadrante, inovação incremental é, por definição, uma missão de intraempreendedorismo. Nós temos um portal de inovação que permite a qualquer colaborador, a qualquer momento do ano, dar uma ideia sobre cinco eixos estratégicos: vendas, resultados, processos, experiência do cliente e ESG [Environmental, Social and Corporate Governance].
Se essa ideia tiver a aprovação da comunidade, ou seja, dos próprios colaboradores, esse intraempreendedor recebe os recursos que ele precisa para desenvolver a ideia, testar e apresentar os resultados.
Se os resultados forem promissores, KPIs escolhidos, a gente toma a decisão se “rollouta” ou não essa ideia.
A segunda esteira é para inovação radical, que é quando eu mudo tecnologia ou mudo competência dentro do mesmo modelo de negócio. Está muito associada ao ecossistema de inovação aberta, as startups.
A grosso modo, eu falo com as squads e pego os elementos do backlog que não estão priorizados mas que são importantes para o negócio, e ofereço esses elementos para as startups.
Durante dois meses, com algum recurso financeiro, essas startups precisam desenvolver uma prova de conceito, que se tiver resultados positivos, pode ser “rolloutada” com essa startup. E temos conseguido resultados bastante promissores.
O terceiro quadrante é quando eu mudo modelo de negócio utilizando a mesma tecnologia e competência que está disponível no mercado. Fazemos um programa de aceleração com startups, que dura quase meio ano, para construir negócios adjacentes.
Tem a inovação arquitetural, que é um programa de intraempreendedorismo também. Começamos com um hackathon de 54 horas, escovando dados do banco, do varejo, todos os dados que temos disponíveis, para concepção de novos negócios para o grupo.
No fim dessa maratona, 13 grupos entregaram soluções, e desses nós escolhemos quatro para irem para um bootcamp. No bootcamp eles aprenderam tudo que precisavam de ferramental tecnológico para transformar esse protótipo em uma prova de conceito, testada e funcional, com clientes reais.
A partir dessa prova de conceito, podemos tomar uma decisão de estruturar isso como uma nova squad do banco ou até conceber uma nova empresa. Eu já chego lá, porque esse é o sétimo elemento do framework.
No quinto elemento, estamos falando de elementos culturais, de estímulo à inovação e também de retorno financeiro da inovação. A Agenda Positiva é uma reunião semanal onde trazemos um convidado externo para falar sobre futuro, inovação e tendências, autodesenvolvimento e o ecossistema financeiro.
Está há 66 semanas no ar, e a variedade dos temas ajuda a inspirar os colaboradores. E isso ajuda na evangelização necessária para fazer a Lei do Bem acontecer. A Lei do Bem é a forma mais fácil de trazer recursos de volta para a organização em função de tudo aquilo que foi desenvolvido de inovação, não só pela área de inovação mas pela empresa como um todo.
Sexto elemento, imagem de marca associada à inovação.
Eu preciso falar para o mercado que eu sou uma empresa permeável à inovação, para que as startups saibam que dá para fazer negócio com o Banco Carrefour e para talentos entenderem que a sua voz, a sua ideia, será ouvida se eles trabalharem no Banco Carrefour.
O sétimo elemento, como eu já falei, é a concepção de novas empresas dentro da empresa. Vamos chamar isso de venture building. Então, pode ser que eu chegue ao final de uma ideia de um colaborador e como prêmio, eu demita esse colaborador.
Eu vou demiti-lo fazendo um investimento na concepção de uma nova empresa da qual ele será o dono e eu terei uma participação acionária. E essa empresa já nasce com um grande cliente, que é o Banco Carrefour.
E o último elemento é o Corporate Venture Capital, onde estamos falando da constituição ou participação em fundos de investimentos de startups. É colocar smart money no mercado para ajudar essas startups que são promissoras a se desenvolverem mais rapidamente e inclusive testarem suas soluções com o ecossistema do Carrefour como um todo.
Esse é o framework completo de inovação, e é assim que temos estimulado não só o intraempreendedorismo mas todo esse ecossistema aberto com as startups.
Por que as empresas devem olhar para inovação?
Eu comecei a minha jornada de inovação em 2012 na Leroy Merlin. Já fui de TI, de inteligência de mercado e de planejamento estratégico. Em 2012 eu comecei a ser de inovação.
Costumo dizer o seguinte: se você tem mais de 20 anos, você certamente não se formou para ser um profissional de inovação.
E por que inovação é uma profissão nova? Porque lá em 2008/2009, lançaram um negócio chamado iPhone. E logo na sequência lançaram um outro negócio chamado App Store, e depois começaram a pipocar aplicativos.
Tem um problema? Existe um aplicativo para isso.
Isso deu a possibilidade, que a gente fala tanto, do escalar. Hoje você chega virtualmente a qualquer habitante do planeta graças a um dispositivo móvel, por conta dessas App Stores. Ali começou a surgir a necessidade de estruturar uma área de inovação dentro do ambiente corporativo.
O que existia até então era P&D [Pesquisa e Desenvolvimento]. P&D sempre existiu dentro da indústria farmacêutica, da indústria aeronáutica e outras. A indústria química, por exemplo, tem isso muito estruturado.
Mas inovação como estamos falando, como um processo de negócios, não existia. É uma profissão nova.
Que tendências você destaca para áreas de inovação nos próximos anos?
Acredito que tem três tendências que vão impactar todos os negócios, e estamos na beirada do precipício para essas tendências se materializarem.
A primeira é o 5G e a hiperconectividade que o 5G vai trazer. Se já nos consideramos hiperconectados, quando o 5G chegar vamos efetivamente começar a falar, na prática, da vivência da IoT [Internet of Things – em português, Internet das coisas].
Na verdade, a internet de todas as coisas. Seu carro, sua casa, os objetos dentro da sua casa estarão conectados à Internet. O 5G está estreando no Brasil, e você já vê as operadoras fazendo propaganda disso.
Existe uma segunda tendência que é… Você provavelmente já ouviu falar da Lei de Moore, sobre a progressão dos chips de computadores e da capacidade de processamento e armazenamento.
É uma curva exponencial que explica o avanço de processamento e armazenamento, principalmente. O que ninguém explicou ainda é a aplicação da Lei de Moore associada à Inteligência Artificial.
Estamos em uma progressão absurda, mas ainda estamos no início da curva.
Recentemente, saiu a Inteligência Artificial chamada GPT-3, que veio substituir a GPT-2. E a GPT-3 é tão absurda, do ponto de vista do que ela consegue processar, que até na produção de textos ela já está entrando.
Vamos pegar um tema da moda, por conta das Olimpíadas: skate. Você joga lá “skate” e o número de palavras que você quer, e sai uma redação sobre skate na mesma hora. E não é uma redação com sujeito, verbo e predicado. É com pesquisa, trazendo elementos históricos, trazendo tendências e uma série de coisas.
Isso vai ter um impacto muito grande nos negócios. Se já vemos hoje algum nível de automação de tarefas e processos, com esse tipo de nível de inteligência artificial, vamos ver muito mais. Mas muito mais mesmo.
Por último, seguindo ainda pela Lei de Moore, estamos chegando agora na beirada da computação quântica chegar a ser massificada. O que temos hoje de capacidade de processamento é nada, perto do que é um computador quântico.
Se hoje levamos 48 horas para fazer uma query de segmentação de público para fazer uma campanha de marketing, com esse nível de capacidade de computação, usando dessa inteligência artificial para construir as campanhas e usando dessa hiperconectividade, vamos ver muitos negócios que nem imaginamos surgindo e criando disrupção no mercado.
Quer acrescentar algo mais?
Uma coisa que acabou motivando nosso papo é meu respeito e minha admiração pelo trabalho que a K21 faz, do ponto de vista de transformação digital.
Realmente, vocês estão ensinando o mercado a fazer o bom processo de transformação digital. Ou seja, não ter medo de mexer na organização para que ela seja uma organização centrada no cliente.
Sobre isso, parabéns. Que trabalho!
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