Scrum Masters de verdade: quem são, o que fazem e o que deveriam fazer

Segundo o guia oficial do Scrum, Scrum Masters são responsáveis pela efetividade do time de Scrum. Ok, essa definição é fácil, mas o que isso significa? Quais são as áreas de atuação, responsabilidades, ferramentas, atitudes e desafios de quem atua como Scrum Master? Neste artigo vamos explorar tudo isso e mais um pouco.

A partir das inúmeras histórias que ouço mundo afora nos treinamentos de Scrum que costumo fazer, posso concluir que o mercado ainda não compreendeu corretamente a real importância do Scrum Master em organizações que utilizam o Scrum no seu dia a dia. Pior ainda, ao longo do tempo as pessoas e organizações, na falta de conhecimento sobre Agilidade, acabaram por introduzir distorções que se multiplicaram, e de tão populares, confundem quem ainda não sabe separar o “joio do trigo”, passando a impressão que as distorções são na verdade, características de uma adoção correta do Scrum. Memes sobre Scrum Masters que não fazem nada, ou que tratam o time como crianças são apenas a ponta do iceberg. Me lembro de uma discussão que ocorreu há mais de 10 anos, em uma organização com 40 times de Scrum, em que a provocação era dizer que SMs não estavam ali apenas para garantir o café e o pão de queijo para a sprint planning. SMs são muito mais do que isso, sempre foram, mas muitas vezes a desinformação faz mais barulho e ganha mais espaço.

Fazer a diferença com intenção

No dia a dia de trabalho, muitas vezes nos pegamos no automático. Reuniões, tarefas, problemas e o fim do dia chega sem que a gente consiga de fato dizer o que fez de útil ou produtivo. Essa é uma armadilha comum nas organizações tradicionais e, por que não, nas ágeis também. SMs precisam, antes de mais nada, entender seu papel como líderes de uma mudança muitas vezes silenciosa de cultura. Deixo aqui, antes de entrar mais a fundo no papel de SM, a provocação de que SMs precisam atuar com intenção. Fazer mesmo a diferença de forma pró-ativa, sem se deixar cair na rotina que inebria, anula e amolece aquela vontade de mudar as coisas. Ser Scrum Master é estar o tempo todo pensando no que podemos fazer de diferente. Pensar naquilo que pode transformar a maneira como times e organizações geram valor.

Mitos e Fatos

E aí, você saberia distinguir o que é mito e o que é fato nas 15 afirmações a seguir? Este é um dos exercícios que mais gosto de aplicar nas minhas turmas de Certified ScrumMaster na K21. Deixo aqui então o desafio. Se quiser tirar alguma dúvida, só entrar em contato comigo nas redes.

Scrum Masters de verdade: quem são, o que fazem e o que deveriam fazer 1

Áreas de atuação

Scrum Masters atuam paralelamente em três frentes: 

  • Servindo ao Time de Scrum: SMs possuem uma série de responsabilidades em relação ao Time de Scrum, partindo da que provavelmente é a mais conhecida de todas: quebrar paradigmas de como o trabalho é realizado, trazendo uma nova visão sobre organização, comunicação, colaboração e processos de trabalho. Como consequência, SMs devem atuar para que todos os eventos do Scrum aconteçam como devem acontecer, trazendo resultados positivos para o próprio time.  Além disso, SMs atuam como coaches, fortalecendo a auto-gestão e multidisciplinaridade da equipe. Outra preocupação importante é na atuação para que o time possa focar na criação e posterior entrega de incrementos de alto valor ao longo das sprints. Por último, mas não menos importante, SMs “provocam” a remoção de impedimentos que atrapalhem o progresso do time. Note que “provocar” não significa exatamente resolver com as próprias mãos, e sim, trazer o elefante para a sala, de forma que a partir da auto-organização e da autogestão, a própria equipe possa atuar para remover seus impedimentos.
  • Servindo o Product Owner: SMs atuam fortemente ao lado de Product Owners, suportando e ajudando a trazer o viés da agilidade aos desafios do planejamento contínuo a partir do aprendizado contínuo, facilitar as interações com stakeholders conforme necessário e, claro, ajudar o Product Owner a encontrar técnicas efetivas para a gestão do Product Backlog, além da criação e manutenção de uma visão de produto que seja compartilhada por todo o time. Lembre-se que SMs entendem como ninguém sobre a abordagem empírica que nós utilizamos na Agilidade e, por esse motivo, precisam estar sempre disponíveis para que Product Owners, que vieram de um mundo com um modelo de pensamento mais tradicional, possam ser amparados no seu processo de aprendizado sobre a nova forma de pensar. É muito comum encontrar pessoas Product Owners recém apresentadas ao Scrum que ainda não compreenderam completamente o que significa planejamento contínuo. Sem suporte adequado, o resultado invariavelmente é o mesmo: um modelo híbrido em que todo o planejamento é feito de forma tradicional, mas a execução ocorre em sprints.
  • Servindo à organização: Este talvez seja o ponto menos conhecido, e portanto, mais ignorado em relação à atuação de SMs nas organizações. Acredita-se, erroneamente, que SMs atuam única e exclusivamente dentro dos times e, por isso, mesmo a maior parte das críticas e disfunções estão ligadas a uma suposta “ociosidade”de SMs. Quem nunca ouviu a frase: “O que o Scrum Master faz depois da daily?”. SMs são fundamentais no processo de liderar, treinar, sensibilizar e mentorar a organização no seu processo de adoção da Agilidade, reduzindo bolhas, ou bolsões, isolados de Agilidade e melhorando a fluidez na forma como a organização se comunica, colabora e coordena o trabalho no dia a dia. Scrum Masters não apenas planejam e aconselham a adoção da Agilidade por toda a organização, como  atuam diretamente com áreas como o RH para que isso seja possível. Tudo isso está ligado ao fato de que grande parte dos impedimentos ao trabalho do time são, na verdade, impedimentos externos ao time. SMs que atuam apenas internamente perdem a oportunidade de atuar nos impedimentos mais críticos. No entanto, nada disso é possível sem o empoderamento de SMs para que atuem fora do time. Scrum Masters são agentes de mudança organizacional!

Há ainda uma quarta frente, não coberta pelo Scrum Guide, mas que o mestre, Samuel Cavalcante, sempre gosta de mencionar: servir a si mesmo, ou seja, cuidar da própria jornada de evolução, aprendizado e autodesenvolvimento. Se há algo que SMs precisam fazer continuamente é estudar!

Foco

É muito natural que Scrum Masters mudem seu foco ao longo do tempo. Uma vez que as questões internas do time já estão equalizadas, SMs passam a focar nos desafios organizacionais, ou seja, se dedicam gradativamente mais aos desafios da transformação Ágil na organização. Bons exemplos incluem: dependências entre áreas, gargalos organizacionais, cultura, papel da liderança, postura do RH em relação às mudanças culturais, compreensão das camadas superiores da organização sobre os desafios da transformação, entre outros.

Disfunções

É nessa hora que SMs esbarram no maior dos desafios: a inabilidade da organização em entender que esse é um processo absolutamente natural e que SMs estão ali para apoiar o processo de transformação. O mais comum é encontrar vagas para SMs que focam nas atividades internas do time, e pior, muitas vezes enxergando esse papel como pessoas que atuam na liderança técnica, auditoria do trabalho do time ou mesmo colocando a mão na massa nas atividades de desenvolvimento. Uma rápida passada pelas vagas de Scrum Master disponíveis no LinkedIn já revela o tamanho do problema. O desconhecimento ou confusão em relação ao que se espera de Scrum Masters é tão grande que hoje parece quase impossível achar uma descrição de vaga sem disfunções.

É possível encontrar todo tipo de disfunção rapidamente: Scrum Master de múltiplos times, como liderança técnica, SM e PO ao mesmo tempo, SM e desenvolvedor ao mesmo tempo, SM e Gerente de Projetos ao mesmo tempo, SM como chefe do time, SM que só preenche ferramentas, como Jira etc. 

Tudo isso é fruto de algo que as pessoas acabam desconhecendo: o papel de Scrum Master, ao contrário de Product Owner e desenvolvedores, é inédito, ou seja, não existia nas organizações. Então é muito comum, e eu vejo isso nos treinamentos, encontrar pessoas buscando o DE-PARA:

  • Ahhh, então gerentes de projetos viram Scrum Master?
  • Ahhh, então líderes técnicos agora se chamam Scrum Master, né?
  • Ahhh, então gestores da área passam a atuar como Scrum Master?
  • Ahhh, então a cada sprint uma pessoa do time atua como Scrum Master?
  • Ahhh, então não precisa de Scrum Master full-time?

A narrativa do DE-PARA parece tornar tudo mais fácil, só que a consequência é justamente uma quantidade enorme de disfunções que nem Scrum Masters conseguem resolver. Vamos simplificar, como dito anteriormente nesse texto, Scrum Master é algo que não existia anteriormente nas organizações, portanto o critério para a escolha de Scrum Masters passa muito mais pelo conjunto de habilidades, forma de pensar (mindset) e postura como liderança servidora, do que exatamente o que essa pessoa fazia antes de se envolver com Agilidade

O que esperamos de Scrum Masters? Soft skills (Simon Sinek chama de Human Skills), pensamento sistêmico, empirismo, Agilidade como forma de pensar, seja no trabalho como na vida pessoal, cultura da experimentação, contínuo desejo de continuar aprendendo, vontade e capacidade de ensinar o que se sabe, ter abertura para se comunicar com todos os níveis organizacionais, e talvez eu tenha deixado o principal para o final: CORAGEM de mudar o que não funciona, sempre em ciclos curtos.

Um forte abraço,

Marcos Garrido

Marcos Garrido, Sócio-fundador e Trainer na K21

Sobre o autor(a)

Co-fundador, Consultor na Nower e Trainer na K21

Marcos Garrido, co-fundador da K21, é Certified Enterprise Coach (CEC), Certified Scrum Trainer (CST) e Certified Team Coach (CTC), fazendo parte do seleto grupo no mundo que possuem as três certificações mais importantes da Scrum Alliance. Com grande atuação internacional, possui larga experiência em Transformação Digital e Gestão de Produtos.

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