Imagine o seguinte cenário: Você acabou de ganhar um prêmio. Você se mudará para uma cobertura de 360 m² no Leblon, bairro nobilíssimo do Rio de Janeiro, de frente para a praia com o IPTU e condomínio 100% pago pelos próximos 30 anos, e um carro top de linha na garagem. Em um primeiro momento você fica todo feliz com o baita prêmio. O tempo passa e chega o dia de encaixotar os seus pertences. Aquela alegria toda sofre um baque: “Putz! Não sabia que ia dar tanto trabalho encaixotar tudo”. Pelo maior que seja a recompensa, a mudança sempre nos causa um certo desconforto.
“… toda mudança gera desconforto. O novo sempre nos causa estranhamento e quando nos obriga a sair da zona de conforto nos causa, por vezes, medo.”
(GASPERI et al. 2023, p.71)
Toda mudança gera um certo desconforto, mas vejamos como podemos reduzir esse desconforto ao evitarmos mudanças radicais e adotarmos princípios da agilidade, mais especificamente do Kanban para podermos aperfeiçoar nosso trabalho reduzindo a tensão de mudar.
Neste artigo
Tipos de Mudança
Nós podemos classificar as mudanças em dois tipos. Aquelas que são revolucionárias e as que são evolucionárias. Na agilidade, devemos dar preferência ao segundo tipo, pois reduz significativamente a resistência.
Kaikaku: Mudança Revolucionária
Kaikaku são duas palavras japonesas (改革). Kai vem de melhoria ou mudança. Kaikaku pode ser traduzida como reforma, mudança radical ou melhoria radical.
Como o nome diz, é uma mudança abrupta, revolucionária. Temos algumas na história que demonstram bem o que elas significam: Americana (1775-1783), Francesa (1789-1799), Argentina (1810-1816), Chilena (1810-1826), Farroupilha (1835-1845), Soviética (1917-1922). No geral temos a substituição de um regime por algo novo.
Quando falamos de empresas, as mudanças revolucionárias acontecem quando após um certo tempo aparece de forma repentina uma nova forma de trabalho. Se seus cabelos já estão um pouco mais grisalhos você se lembra dos famosos downsizing no final dos anos 90 e início dos 2000. Eram reestruturações das empresas que reduziram sua hierarquia. Algumas conseguiram ter sucesso, muitas outras se tornaram um total fiasco, mas o fato é que deixou bastante gente traumatizada. Tanto que o nome raramente é utilizado hoje em dia.
Mudanças revolucionárias tendem a seguir um modus operandi: 1) Alguma consultoria é contratada para mudar a forma como as coisas são feitas. 2) É realizado um projeto. 3) No final o projeto que mostra como ficará a nova forma de trabalho é apresentado pela contratada. 4) Quando aprovada, a nova forma de trabalho é apresentada para o restante da empresa em eventos muitas vezes chamados de Reunião de Engajamento, Conscientização ou Sensibilização. 5) Acontece o “tombamento” na nova forma de trabalho.
A ideia é que a mudança revolucionária será rápida, mas a própria história contraria isso. entre a Queda da Bastilha e a ascensão de Napoleão com o 18 de Brumário foram 10 anos, muito sangue, muitas lágrimas e muitos corpos entre um momento e outro. Nas empresas não costuma ser diferente, entre a Reunião de Sensibilização e o término da mudança, muita gente “tombará” para fora da empresa. Nas mudanças revolucionárias, sabemos como começam, mas o fim é sempre uma incógnita.
Histericamente a mudança revolucionária demonstrou sua utilidade no Japão, local de onde vem o termo kaikaku. No pós 2ª Guerra Mundial era necessário reconstruir um país devastado. Soluções que iniciaram radicais, revolucionárias, mas que depois se tornaram kaizen.
Kaizen: Mudança Evolucionária
A solução para a mudança revolucionária não é a não mudança. Vivemos em um mundo em que ficar parado pode ser fatal. Empresas gigantescas com anos de experiência no mercado viram seus impérios ruírem por terem ficado paradas no tempo. A melhor solução seriam as mudanças evolucionárias.
Kaizen são na verdade duas palavras japonesas, 改善 , kai é a melhoria e zen pode ser traduzido como bom. Possibilidades de tradução seria: mudar para melhor.
O pior problema ou a maior oportunidade
Ao invés de mudar toda a forma de trabalho, olhemos para a forma de trabalho atual e vejamos qual é o maior problema que temos. Seguindo as práticas do Kanban, primeiro, visualize antes de sair tentando resolver problemas que podem nem existir.
Visualizando a forma como fazemos hoje, podemos avaliar o que de fato está acontecendo: gargalos muito comprimidos, falta de qualidade, baixa eficácia, insatisfação do cliente etc. É possível que apareçam uma quantidade grande de problemas, mas temos que priorizar qual o pior deles. Gosto de utilizar a imagem abaixo para exemplificar.
A pessoa que deseja a melhoria está na ponta e ela quem terá que fazer o esforço de melhoria (empurrar para baixo). A resistência à mudança está na outra ponta. Seu objetivo é levantar o bloco o máximo possível e pode ficar tranquilo que ele não deslizará na sua direção, pois está bem preso no sistema de trabalho. Se a pessoa pegar um problema irrelevante (ponto rosa com triângulo preto), o esforço será pequeno, porém as mudanças serão insignificantes. Se a pessoa escolher um problema gigantesco que levará um tempo enorme para ser resolvido (ponto preto com triângulo rosa), a mudança será bastante significativa, porém o esforço será descomunal, pois haverá muita resistência.
O problema mais significativo que conseguimos resolver está no ponto amarelo com triângulo azul. Há necessidade de esforço, porém não será muito e haverá resistência, porém conseguiremos lidar com elas.
Mudanças Experimentais
Algo que é importante definir antes de entrarmos em um processo de mudança é onde nós desejamos chegar. Quando fazemos uma mudança mais revolucionária, mexemos em muitas variáveis ao mesmo tempo e por isso é difícil definirmos o que causou o fracasso ou sucesso do que fizemos.
Já a mudança evolucionária permite mexer em poucas variáveis e assim descobrirmos se conseguimos ou não ser bem-sucedidos e qual a causa do resultado. Por exemplo, digamos que uma empresa tem um histórico de reclamações de clientes que dizem que os prazos do Acordo do Nível de Serviço (Service Level Agreement, SLA) não são respeitados.
Visualizamos o fluxo de trabalho e descobrimos que uma etapa é um grande gargalo do processo e tem um impacto significativo no tempo de entrega. Fazemos uma mudança e experimentamos se ela será ou não bem-sucedida. Em outras palavras, a) se o tempo para entrega do serviço diminuiu e b) se a quantidade de reclamações também diminuiu.
Mudanças evolucionárias são parecidas com o Método Científico. No mundo empresarial é a implementação do famoso PDCA (Plan-do-check-act, em português Planejar, Executar, Avaliar e Agir) de William Deming.
Já que é uma mudança mais científica, a mudança evolucionária deve ser sempre experimental, logo, antes de começarmos devemos ter visualizado o problema, compreendê-lo, saber onde queremos chegar antes de sairmos, aplicar o experimento e avaliar. Se a solução resolveu o problema ou pelo menos reduziu seu impacto, podemos manter a mudança de forma permanente ou até mesmo aperfeiçoá-la. Caso contrário, podemos retroceder à situação anterior (rollback), porém com aprendizado.
Ciclos curtos e feedback loops
Talvez você tenha visto a palavra retroceder no parágrafo anterior e tenha tomado um susto, mas é um fato, não estaremos sempre certos. Se o experimento durar 1 ano e só ao final de 365 dias voltarmos para avaliar seus resultados, teremos muita, muita dificuldade para retroceder ao estado anterior.
Quando passamos tanto tempo “em mudança” é natural que as pessoas observem qualquer resultado como positivo. Já passei por uma situação bem ruim quando chegamos à uma empresa que estava há anos fazendo uma mudança. Nesse período, ela perdeu milhares de clientes, mas, segundo eles, os colaboradores estavam se comunicando melhor. Trocaram um resultado objetivo (tamanho da base de clientes), por um subjetivo (comunicação interna). Este último também não era lá essas coisas, porém o investimento na grande mudança era tão alto que qualquer coisa servia de resultado.
Por isso, as mudanças evolucionárias devem ser feitas através de ciclos curtos de experimento – avaliação – decisão. O Kanban apresenta cadências (reuniões) que podem ser utilizadas para facilitar esse tipo de feedback loop. Sendo bem simplista, elas respondem: Como podemos melhorar? Melhoramos?
Entretanto, digamos que a empresa que estamos focando esteja na “berlinda”. Por exemplo, em processo de concordata. Devemos então partir para uma mudança revolucionária? Na verdade, não. Como já mencionei, a história comprova que as revoluções demoram anos para dar algum resultado e promovem muitas quebras durante o processo. Quando a empresa está em uma situação delicada, é melhor reduzir o tempo desses ciclos feedback do que partir para algo dramático. Por exemplo, se eu tenho um ciclo de experimentação trimestral, em empresas com criticidade mais alta, dependendo da necessidade, poderíamos tentar experimentos bimestrais, mensais ou até mesmo quinzenais.
Mudança Colaborativa
A última característica de mudanças evolucionárias é que elas devem ser colaborativas. Imagine que você é o gestor / a gestora de um time com dez pessoas. Você percebe um problema e já tem uma possível solução para ele. Se você tentar enfiar a sua solução goela abaixo para as 10 pessoas (top-down), é como pegar o ponto de apoio na imagem da alavanca e trazer para perto de você. Terá muita resistência. O oposto, as 10 pessoas empurrarem a solução para o gestor / gestora (bottom-up) pode ser mais interessante, mas também trará resistência.
Todavia, cuidado, colaboração não é sinônimo de unanimidade. Não espere que 100% das pessoas “comprem” 100% das soluções. A busca deve ser feita para que tenhamos consenso das decisões.
As mudanças devem ser colaborativas o suficiente para que todos entendam e embarquem na proposta. Por isso, as cadências são tão importantes para mantermos esse espírito colaborativo ao mudar.
O jeito K21
Por isso, nós da K21, preferimos sempre fazer mudanças a 4 mãos (2 da empresa + 2 da nossa consultoria). Acreditamos que não há uma receita de bolo que sirva para todos os tipos de empresa e que a real mudança deve contar com o Know how acumulado por nós e a vivência das pessoas que estão na organização. Precisa mudar de forma evolucionária, experimental, colaborativa e utilizando ciclos curtos de feedback. Kaizen, nosso time amanhã será melhor do que hoje.
Que saber mais? Entre em contato conosco para trabalharmos juntos na Transformação Ágil da sua empresa.
Quer saber mais sobre o Kanban e seus feedback loops? Dá uma olhada no nosso treinamento de Kanban System Design (KSD), Kanban Systems Improvement (KSI) e Kanban Maturity Model (KMM).
Bibliografia
GASPERI, Maria Eduarda. SILVA, Cláudio da. Dittrich, Maria Glória. Pós-pandemia COVID-19: desafios e impactos na educação pública rede municipal de ensino de Itajaí (SC). In Educação e Ensino em Diferentes Contextos: Entre Saberes e Práticas. Curitiba – PR. Ed. Bagai. pp. 59-72. 2023.