Não há crescimento sem conflito. Pense em todas as vezes que você deu um passo em direção ao aperfeiçoamento profissional ou pessoal: Iniciar uma faculdade, investir em um curso, casar-se, comprar ou alugar um imóvel, aceitar ou se aprofundar na fé.
Neste artigo
Todo crescimento antes gera uma sensação de desconforto e ansiedade. O mesmo acontece com empresas. Para crescerem é necessário que haja conflito. A diferença é que os conflitos que acontecem dentro de uma organização envolvem as pessoas que ali trabalham.
Se você está em um papel de gestão ou facilitação, saber administrar esses conflitos para que sejam salutares é fundamental.
Infelizmente, há casos em que ocorre a escalada de conflito e você que está facilitando o trabalho de um grupo deve saber identificar quando isso está acontecendo e frear antes que se torne uma briga ou coisa pior.
Há algum tempo esbarrei com artigos citando os 9 níveis de Conflito de Friedrich Glasl. Eles ajudam a identificar quando estamos partindo de um conflito e evoluindo para uma “guerra”. Vou resumir esses níveis neste artigo e espero que ajude você também.
A escalada do Conflito
A entropia na solução do conflito o leva para o próximo nível caminhando sempre em direção à guerra. Como uma bola descendo os degraus da escada. Só irá parar no último degrau.
Para facilitar a compreensão, os 9 níveis podem ser agrupados em 3 grandes grupos: ganha-ganha, ganha-perde, perde-perde. Vou apresentá-los a seguir.
Todavia, antes gostaria de acatar a sugestão feita pelo Marcelo Girade (2021). Como utilizo a expressão ESCALADA do conflito, é mais didático apresentar o modelo de Glasl subindo ao invés de descendo.
Conflitos de Níveis Ganha-Ganha
O primeiro grande grupo é o Ganha-Ganha. Ele compreende os três primeiros níveis. Neles ainda temos uma discussão saudável entre as partes.
Investindo em uma boa comunicação, todas as partes podem sair ganhando, pois até aqui o conflito está centrado no problema que estamos tentando resolver.
Este é o grupo é composto pelos níveis que temos que dar maior atenção. Se não conseguirmos resolver o conflito neles, será muito difícil resolver nos próximos seis.
1º Nível – Endurecimento (ou Tensão)
O primeiro estágio do conflito é o de endurecimento de ideias. Temos um problema para resolver e as partes têm visões diferentes de como abordá-lo. A tensão aqui é natural e pode ser construtiva.
Se você é um facilitador, sua atuação aqui deve promover a exposição de ideias pelas partes envolvidas no conflito. Elas devem apresentar tanto os pontos fortes como os pontos fracos de cada uma delas, pois as partes estão dispostas a cooperar ao invés de competir.
2º Nível – Debate e Polêmica
Aqui já temos formação de partidos (grupos de pessoas) defendendo suas ideias. Nasce uma inflexibilidade do “dono” da ideia que agora imagina que a sua reputação está em risco.
Você percebe que chegamos nesse nível porque há mudanças fisiológicas no corpo. A razão fala menos e começamos a ter discussões baseadas em emoção.
No papel de facilitador é aqui um bom momento de tornar tangível o que está abstrato. Ao tirar as ideias do campo da fala e trazer para a gestão visual, você despersonaliza a autoria delas. Quadros simples como lista de vantagem e desvantagens de cada ideia ou consequências possíveis já são bastante úteis.
3º Nível – Ação ao invés de Palavras
Neste nível as partes se enxergam menos como colaboradores e mais como competidores. Há um sentimento de que “fui bloqueado” pela outra parte e sendo assim tenho que agir unilateralmente. Como as ações são unilaterais, há uma certa desconfiança no ar já que uma parte não sabe mais o que a outra está fazendo. Isso gera uma série de mal-entendidos.
Este estágio é muito comum quando a organização tem muitas dependências de times em um fluxo de valor.
Por exemplo:
- time de Desenvolvimento de Software e Time de Infraestrutura;
- Departamento de Marketing e Departamento de Tecnologia da Informação (TI);
- Unidade de Produção e Unidade de Logística;
- entre outros.
Os times separados acabam criando “partidos” e só eles sabem o que é melhor para a organização. Pontos de vista contrários são ignorados e a ação unilateral acentua o conflito.
No papel de Facilitação o desafio aumenta consideravelmente. Não há uma solução simples para esse tipo de situação.
Minha sugestão é ouvir as partes e trazer para cada uma delas uma trinca de informações: Fatos e Dados, Consequências e Possíveis soluções.
- Fatos e Dados – Números que comprovam a situação que estamos enfrentando e demonstrando de forma mais clara possível o problema original.
- Consequências – Ao não resolvermos o problema que originou o conflito, nossa organização está perdendo ou deixando de ganhar tal coisa. Se puder apresentar em dinheiro, melhor.
- Possíveis soluções – Aqui é o espaço da facilitação. Você pode começar com: Ouvi a Parte A e ela apresentou essas possíveis soluções, ouvi a Parte B e ela apresentou essas possíveis soluções. Agora com elas na mesa, vamos discutir essas e se necessário criar uma nova que nos faça resolver o problema original.
Atente que eu escrevi possíveis soluções no plural. Se cada parte trouxer uma única solução no estilo “ou tudo ou nada”, o outro grupo ficará na defensiva como um boxeador colocado no corner do ringue.
A facilitação provavelmente não funcionará, pois voltaremos a discutir posições ao invés de ideias.
Conflitos de Níveis de Ganha-Perde
O segundo grupo compreende os níveis 4 até 6. Aqui a discussão já deixou de ser cordial e temos as partes caminhando para uma briga em que alguém sairá vitorioso e a outra parte tem que sair perdedora.
Nesse grupo a imposição e a defesa de posições ficam mais acirradas. A discussão sai do problema e passa a ser sobre as pessoas envolvidas no conflito.
Se você é o facilitador e o conflito está em algum dos níveis desse grupo, meus sinceros pêsames. É bem difícil resolver algo aqui.
Nos três primeiros níveis há uma busca das partes pela solução em que todas podem sair satisfeitas. Agora, o objetivo é conter o raio da explosão.
Nestes estágios, facilitadores externos à empresa são bem-vindos porque já pode haver um entendimento de que você está “comprado” com alguma das partes.
A facilitação aqui tende a ser mais empurrada, mais agressiva e será necessário se expor bastante.
4º Nível – Imagens e Coalizões
As partes costumam criar uma imagem estereotipada do seu agora rival: “Fulano é cabeça-dura”, “O Departamento X é atrasado e não se atualiza”, “Eles são muito fracos neste assunto” e por aí vai.
O sentimento aqui é que nós somos superiores e eles inferiores e o objetivo é trazer cada vez mais adeptos para a minha ideia que é “a certa”.
O problema da criação do estereótipo é que uma vez feito é muito difícil desfazê-lo. As dinâmicas utilizadas neste nível tendem a ser menos objetivas e é necessário fazer com que as partes voltem a enxergar um ser humano na outra.
Um grande exercício de empatia em que buscamos que a parte veja o outro como um ser que tem: vida, pai, mãe, filhos, sonhos, anseios, história, batalhas, frustrações. É uma pessoa que ama alguém, é amado por alguém.
Enfim, é um humano e não uma coisa. Seu objetivo é reduzir o nível do conflito para algo em que seja possível retornar a discussão sobre o problema e não sobre os indivíduos ou partidos.
5º Nível – Perda do Rosto
Daqui em diante as partes se veem como inimigos. Passa a existir um sentimento de que a outra quer “puxar o tapete” e a falta de confiança se agrava significativamente.
Neste nível a pessoa acha que a defesa da sua imagem (rosto) só pode ser feita se eu expuser a imagem da outra de forma negativa. “Eu tenho que fazer com que eles vejam quão ruim é a contraparte”.
O sentimento de traição toma o lugar do relacionamento. Se no Nível 4 a relação “Nós vs. Eles” baseava-se em uma ideia de superioridade e inferioridade, agora a relação é Nós somos os anjos e Eles são demônios.
“A contraparte não é mais apenas irritante, mas uma encarnação da corrupção moral.”
(Jordan, 2000).
A Facilitação aqui é extremamente complicada porque as partes já atacaram a imagem da outra. A dica do nível 4 continua valendo, mas saiba que as relações provavelmente não voltaram a ser iguais ao que eram antes. Feridas podem ser curadas, mas a cicatriz permanecerá.
Neste momento tente traduzir não só o ser humano como também os papéis e as expectativas. Uma boa Dinâmica para resolver esse segundo problema é Círculo de Responsabilidades. ou o É, não é, faz, não faz.
6º Nível – Estratégia de Ameaça
Neste nível, a situação piorou significativamente. O problema que originou o conflito já foi esquecido há muito tempo e a outra pessoa ou grupo de pessoas é a personificação de satanás.
As ameaças começam:
- “Ou você faz isso, ou eu te demito”;
- “Se tal ação não for tomada vou escalar para instâncias superiores”;
- “Você pode até fazer isso, mas eu não vou me responsabilizar por nada, inclusive quero deixar isso escrito em Ata”.
Os e-mails começam a ser copiados para os superiores e os superiores dos superiores. Alguns serão impressos e guardados para usos futuros em Processos Administrativos.
A ameaça de uma das partes leva à contra ameaça da outra e a velocidade da escalada do conflito aumenta muito. Uma parte começa a agir rapidamente e de forma enérgica para evitar a ameaça da outra.
Esse é o momento em que a facilitação é bem complicada. As práticas terão que emergir e provavelmente serão muito contextuais.
Seu objetivo é reduzir a tensão e tentar trazer o problema original para o centro da discussão. Se tem uma dica. Mova-se o quanto antes porque se passar desse ponto teremos um problema gigantesco para resolver.
Conflitos de Níveis de Perde-Perde
O último grupo compreende os níveis 7 até 9. Aqui não há mais nada a ganhar. A preocupação de uma parte do conflito é destruir a outra.
Nesse grupo, o problema que iniciou o conflito já foi totalmente esquecido. As partes estão ali para fazer com que a outra tenha perdas maiores, pois o cerne da discussão deixa de ser as pessoas envolvidas e passa a ser a aniquilação total da contraparte.
Se no grupo anterior eu dei os meus pêsames, neste, sinceramente eu não sei nem o que dizer. Pêsames²? O conflito aqui está muito enraizado e dificilmente será resolvido sem grandes perdas.
Desescalar provavelmente envolverá troca de membros de times, desfazimento de grupos, reorganização institucional e demissões.
Neste grupo de perde-perde vale uma outra informação importante. Se você foi convidado agora para fazer a facilitação, temos algumas chances de bons resultados. Mesmo que eles venham com certa dor, eles podem ser favoráveis. Para as partes, você chegou agora e é uma pessoa externa ao conflito.
Entretanto, se você já era o facilitador e o conflito chegou até esse nível, é provável que as partes já te vejam como integrante da discussão. Isso reduz a chance de sair daqui com um resultado positivo.
7º Nível – Ataques Destrutivos Limitados
Não tenho mais nada a ganhar. Minha vitória é saber que a contraparte terá derrotas ainda maiores. Se no nível 6 as ameaças foram feitas, aqui elas são concretizadas. As partes já não se veem mais como humanos e sim como coisas.
A contraparte é um obstáculo que deve ser atropelado, pois está atrapalhando o meu caminho. A derrota do outro ainda gira em torno de perdas materiais como redução de orçamento de um time, remover membros do time, destituir chefias, etc.
A facilitação do Nível 7 em diante já não será mais feita entre as partes (solução local). Aqui será necessário visualizar sistemicamente qual é uma solução viável. É muito provável que seja necessário o envolvimento escalões mais altos.
Você, no papel de facilitador, não precisa gastar energia buscando bons resultados para todas as partes. As bombas já foram lançadas e o estrago está feito. As mexidas serão no nível organizacional.
8º Nível – Fragmentação do Inimigo (Aniquilação Total)
Vejamos a definição feita pelo próprio Glasl: “Os órgãos vitais do Sistema do inimigo são agredidos de forma a não mais funcionarem” (1999). A parte tenta se preservar enquanto ataca a outra moralmente.
O interesse não é apenas a destruição material, mas também da identidade da contraparte. A desmoralização passa a ser um objetivo, mesmo que através de notícias falsas.
Alguns exemplos desse tipo de Nível de Conflito podem ser achados em interações de grupos políticos: Trump vs. Biden (2020), Bolsonaro vs. Lula-Haddad (2018).
9º Nível – Juntos para o Abismo
No último nível já não se pensa mais em autopreservação. As partes vivem a Guerra Total. Uma quer a derrota da outra a qualquer custo. O sentimento é: “Eu vou cair, mas vou arrastá-lo(a) comigo”.
Os pilotos Kamikazes do Japão no final da 2ª Guerra Mundial. A ideia era que o piloto iria morrer, mas deveria afundar o navio inimigo.
Conclusão
Espero que esse modelo de Glasl ajude a identificar e resolver conflitos. Minha dica, para você meu amigo facilitador / gestor, é fazer de tudo para não sair dos três primeiros níveis (ganha-ganha).
Sair do segundo grupo (Perde-ganha) te dará musculatura de facilitador, mas também deixará algumas cicatrizes em você.
Antes de tentar facilitar os três últimos níveis (perde-perde) pergunte a você mesmo se você deseja entrar em tal imbróglio. É possível resolvê-los? Sim, mas terá um custo emocional alto que você também terá que pagar.
Gostou deste artigo? Dê uma lida neste artigo da Fernanda Magalhães: Dois humanos, um conflito e um agile coach. E agora, papai?
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Referências
GIRADE, Marcelo. Módulo 1 – Compreensão e Análise de Conflitos no Ambiente De Trabalho – Curso de Gestão de Conflitos e Negociação. Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Disponível em: https://mooc38.escolavirtual.gov.br/course/view.php?id=479 (login necessário, porém gratuito). Acessado em fevereiro de 2021.
GLASL, Friedrich. Confronting Conflict: A First-Aid Kit for Handling Conflict. Hawthorn Press. Inglaterra. 1999
JORDAN, Thomas. Glasl’s Nine-Stage Model Of Conflict Escalation. Disponível em https://www.mediate.com/articles/jordan.cfm. Acessado em fevereiro de 2021.