Há algum tempo escrevemos o artigo sobre o Cemitério Mexicano. Ele fala sobre a importância de comemorar quando descartamos ideias ruins antes que elas entrem no nosso fluxo de trabalho como projetos, iniciativas, novos produtos ou serviços. Naquele artigo citamos o Validation Board (Quadro de Validação). Aqui vamos apresentá-lo e ver como ele fornece uma forma fácil de INvalidar ideias.
Invalidação mais que validação
“Ideias valem 10 centavos a dúzia”
frase atribuída a Mary Kay Ash
Ter novas ideias é muito fácil. Se você olhar para a sua organização agora e pensar em novos produtos que poderiam solucionar velhos problemas pelos próximos 10 minutos, quantos você teria no final? 10, 50, 100 ideias? A ideia é fácil, porém a execução é difícil e custosa. Por isso, nossa obrigação enquanto produteiros e produteiras é descartar o quanto antes as ideias ruins. Aquelas que são caras para fazer e não trazem retorno ou, até mesmo, totalmente inúteis.
Esse é o conceito que trazemos com a invalidação de ideias. Ao invés de gastarmos tempo e correr o risco de nos enviezarmos “provando” que uma ideia inútil é válida, nós passamos a ter a premissa de que ela é ruim e vamos provar que ela é ruim.
Caso a ideia sobreviva o processo de invalidação, então ela prova que pode ser útil e nós passamos para a construção do projeto, produto ou serviço. É uma mudança de perspectiva.
O Validation Board
Ele foi criado pela Lean Startup Machine e é inspirado no Lean Canvas (Tela Enxuta) que por sua vez foi inspirado no Business Model Canvas (Tela de Modelo de Negócios).
Todos fornecem um modelo para você compreender o negócio em que a sua empresa está e como ela agirá diante do mercado. A vantagem do Validation Board é que ele é muito mais enxuto do que seus predecessores e focado em avaliar a viabilidade de um produto ou serviço específico. Entretanto é bom ressaltar que ele não trata a estratégia da empresa de forma holística.
Ele é formado por algumas áreas principais conforme numeração abaixo:
- Track Pivots (Rastrear Pivôs)
- Design Experiment (Desenho do Experimento)
- Results (Resultados)
Vamos detalhar cada uma delas.
Validation Board em inglês
Segue o Validation Board original em inglês.
Se preferir a versão PDF para imprimir, ela está disponível neste link.
Validation Board em português
Agora, se você prefere utilizar a versão em português, segue a imagem.
A versão em PDF está disponível neste link.
Track Pivots (Rastreamento de Pivôs)
A primeira área do Validation Board é a construção de uma hipótese. Entenda essa hipótese como um problema que o seu produto resolverá ou uma oportunidade que ele aproveita. A trinca deve ser lida sempre dessa forma: O cliente tem um problema cuja solução é o produto ou serviço. A ideia aqui é sempre fazer a relação de quem sofre com o problema e a solução para o problema da pessoa. Por exemplo, imagine que estamos construindo um produto para cotação de passagens aéreas. Uma trinca poderia ser: Para pessoas que viajam a trabalho e que não podem gastar muito tempo procurando a passagem mais adequada às suas necessidades, o Viagem Fácil é um broker que cota as passagens em diversas empresas aéreas ao mesmo tempo.
Trinca de Hipóteses
Customer Hypothesis (Hipótese do consumidor): pessoas que viajam a trabalho
Problem Hypothesis (Hipótese de Problema): não podem gastar muito tempo procurando a passagem mais adequada às suas necessidades
Solution Hypothesis (Hipótese de Solução): Viagem Fácil é um broker que cota as passagens em diversas empresas aéreas ao mesmo tempo.
O Início – Verificando se o problema existe
Existe uma recomendação no primeiro experimento é que você não pense ainda na hipótese de solução. Isso porque primeiro é necessário verificar se a necessidade existe antes de pensarmos em uma solução. Nesse exemplo, poderíamos antes de pensar em qualquer solução em perguntas como: Será que as pessoas que viajam a trabalho realmente perdem muito tempo procurando a passagem mais adequada? Caso essa hipótese seja invalidada, não gastamos nem tempo para pensar na solução, pois o problema que pensamos não existe.
Pivots (Pivôs)
Imagine que nós fizemos um experimento, por exemplo, um questionário que enviamos para possíveis consumidores do Viagem Fácil e descobrimos que nossas premissas eram inválidas. Digamos que na verdade esse não é um problema para quem viaja a trabalho e sim para quem o faz a lazer. Então nós podemos pivotar a ideia. O conceito de pivotar é comum no basquete. Quando você segura a bola com as duas mãos não pode andar com ela. Todavia você pode fazer um pivô. Manter um dos pés no chão, levantar o outro e girar o corpo para obter o melhor ângulo de lançamento. Essa palavra se tornou famosa em inglês devido à cena abaixo no programa Friends.
O mesmo conceito se aplica no Validation Board. Quando uma premissa é invalidada, nós não jogamos tudo para o alto e começamos tudo do zero. Se fizermos isso e invalidarmos novamente, não saberemos o que fizemos de errado. Se der certo, também ficaremos sem saber qual variável provocou um resultado diferente no experimento. Seguindo o nosso exemplo, poderíamos ter como pivô:
Customer Hypothesis (Hipótese do consumidor): pessoas que viajam a trabalho. Pessoas que viajam a lazer.
Problem Hypothesis (Hipótese de Problema): não podem gastar muito tempo procurando a passagem mais adequada às suas necessidades
Solution Hypothesis (Hipótese de Solução): Viagem Fácil é um broker que cota as passagens em diversas empresas aéreas ao mesmo tempo.
Então rodamos novos experimentos. Digamos que invalidamos novamente a nossa trinca de hipótese. Descobrimos que as pessoas querem apenas as viagens mais baratas e não as mais adequadas. Poderíamos fazer um novo pivô.
Customer Hypothesis (Hipótese do consumidor): pessoas que viajam a lazer.
Problem Hypothesis (Hipótese de Problema): não podem gastar muito tempo procurando a passagem mais adequada às suas necessidades. Querem reduzir o custo de suas viagens.
Solution Hypothesis (Hipótese de Solução): Viagem Fácil é um broker que cota as passagens em diversas empresas aéreas ao mesmo tempo.
Quando terminam os pivôs?
Imagine que você rodou 4, 5 experimentos e todos tenham sido invalidados. É um forte sinal de que a ideia não se sustenta e é melhor colocá-la no Cemitério Mexicano e celebrar, pois economizamos meses ou anos de investimento e esforço que seriam empregados em uma ideia inútil.
Design Experiment (Desenho do Experimento)
Não saia correndo tentando verificar a hipótese. Primeiro desenhe o experimento. Porém atenção. Esse desenho deve ser rápido. 1 semana já é tempo mais que suficiente.
Core Assumptions (Premissas Principais)
Uma vez que temos a hipótese vamos partir para o experimento. A primeira coisa é levantar as principais premissas (core assumptions) que são aqueles que, caso se mostrem inválidos, derrubam pelo menos um elemento da trinca de hipótese. É importante ressaltar que essas premissas devem ser do ponto de vista do negócio e não técnico. Nesse momento é essencial verificar a viabilidade do negócio ao invés da capacidade técnica de construí-lo. Seguem sugestões de para o problema que está nos servindo de exemplo. Perceba que elas são escritas como frases afirmativas.
- As pessoas perdem muito tempo procurando a passagem mais adequada a elas.
- Existem outras empresas que prestam exatamente esse serviço de forma satisfatória.
- Existe uma diversidade de voos e tarifas a ponto de justificar a criação de uma solução de comparação.
- As empresas aéreas divulgam o preço de suas passagens aéreas com antecedência.
- O público-alvo está disposto a pagar um pouco mais caro para ter um facilitador na busca pela passagem mais adequada.
Riskiest Assumption (Premissa mais arriscada)
Temos 5 premissas principais que teremos que testar. Entretanto, um deles é o mais arriscado. Ele é o sine qua non. Se ele for invalidado, nada mais faz sentido. Normalmente decidimos isso de forma colaborativa. É possível utilizar uma variação de técnica de valoração como o Buy a feature (Compre uma Funcionalidade) para um Buy a Risk (Compre um Risco). Para nosso exemplo, digamos que: “As pessoas perdem muito tempo procurando a passagem mais adequada a elas.” seja o que representa o maior risco. Então ela é movida do Premissas Principais (Core Assumptions) para Premissa mais arriscada.
Method (Método)
Já sabemos o que testar, agora temos que escolher um método. Existem vários disponíveis desde os que precisam de menos esforços de implementação como uma entrevista, questionário até os mais elaborados como o MVP – Minimum Viable Product (Produto Mínimo Viável). No artigo do Cemitério Mexicano, listei diversos métodos que você pode utilizar.
Minimum Success Criterion (Critério mínimo de sucesso)
Esse é o pulo do gato do Validation Board. É essencial que definamos um critério mínimo de sucesso ANTES de realizarmos o experimento. Caso contrário, podemos acabar com uma falsa sensação de sucesso. Por exemplo: Digamos que vamos utilizar o método de entrevistas com pessoas-chave para invalidar nossa premissa mais arriscada. A pergunta principal é: Quanto tempo em média você perde para encontrar a passagem mais adequada para suas viagens a trabalho.
Como nós não definimos um critério mínimo de sucesso, qualquer coisa serve. Se entrevistamos 100 pessoas e apenas 3 falaram que perdem mais do que 5 minutos com essa atividade, podemos dizer que é um sucesso e a premissa é válida quando na verdade não foi. Um exemplo de critério mínimo de sucesso poderia ser: 30% dos respondentes perdem mais do que 15 minutos procurando a passagem mais adequada.
Onde obter os números de critérios mínimos de sucesso?
Esses números podem ser obtidos em
- Revistas, sites e publicações especializadas na área.
- Divulgação de números de concorrentes, principalmente aqueles que têm capital aberto e são obrigados a divulgar.
- Plataformas de feedback como TripAdvisor e Reclame Aqui.
- Órgãos governamentais nacionais e internacionais como IBGE ou especializado na área.
- Ferramentas de Inteligência Artificial
- Ferramentas de comparação com o concorrente como SimilarWeb e Semrush.
- Sites de estatísticas globais como o Statista.
- Sua intuição (quanto mais conhece do mercado, mais dá para confiar. O contrário também é verdade)
Get out of the building (Levanta esse traseiro da cadeira)
Temos hipótese, premissas, dentre essas uma que representa o maior risco, um método e um critério mínimo de sucesso. Agora tem que executar o experimento. Tá na hora de sair da sua sala e ir conversar com as pessoas. Não dá para validar com o “eu acho que…” do seu time. Vocês não acham nada. Tem que ir para a rua e testar ou divulgar seu MVP na internet. Levante esse traseiro da cadeira e vai lá fora invalidar as ideias com possíveis clientes reais.
Results (Resultados)
Invalidated (Invalidada)
As premissas principais que forem invalidadas são movidas para o Invalidated (Invalidada) junto com o motivo da invalidação para que gerem aprendizado. Se o time desejar poderá realizar o pivô das hipóteses (consumidor, problema ou solução) ou descartar a ideia de uma vez por todas (Cemitério Mexicano).
Validated (Validada)
Agora, as premissas principais que forem validados são movidas para o Validated (Validados) junto com o motivo da validação. Nesse caso, podemos pegar a próxima para tentar invalidá-la.
Dúvidas comuns
Uma dúvida que sempre surge é: Podemos testar várias premissas em um único experimento. Se seguirmos estritamente a sugestão do Validation Board, não. Entretanto na prática pode ser muito caro fazer uma série de experimentos e por uma questão de economia, podemos testar várias de uma tacada só.
Outra que aparece com frequência é se podemos utilizar o Validation Board para produtos ou serviços que já existem. A resposta é sim. Você pode avaliar as funcionalidades de forma isoladas. A diferença é que a possibilidade de pivôs tende a ser reduzida, pois o produto já existe e os clientes estão bem definidos. Ainda utilizando o nosso exemplo, poderia ser algo como: Será que as pessoas estão dispostas a selecionar assentos mais confortáveis ou espaço de bagagens ao comprar a passagem aérea?
Faz sentido utilizar o Validation Board para produtos obrigatórios? Total. Mesmo produtos obrigatórios você precisa entender a necessidade do seu cliente e a melhor forma de atendê-lo.
Conclusão
Este artigo apresentou o Validation Board. Um método fácil e rápido de invalidar ideias. Espero que seja útil para você. Se você quiser experimentá-lo em um treinamento e aprender muitas coisas, recomendo dar uma olhada no nosso treinamento de Certified Scrum Product Owner® CSPO.
Até a próxima
Bis geschwënn