Fit For Purpose como modelo organizacional

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Existe uma necessidade fortíssima em quase todas as empresas de, ao buscar uma transformação, responder à seguinte pergunta: “Como eu estruturo as áreas e os times para gerar a transformação?”. Nesse artigo, vamos falar um pouco sobre o Fit for Purpose.

Todos os modelos estão errados

Aqui na K21, costumamos ser bastante agnósticos e repetimos à exaustão a máxima do George E. P. Box:
todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis.

Se o que queremos é um determinado resultado, devemos buscar modelos que alavanquem e nos suportem em atingir este resultado. Sabemos que nenhum modelo é perfeito, e que qualquer estrutura que aplicarmos vai ter falhas e vai precisar ser adaptada. Mas, assumida a premissa de que não existe bala de prata, existem sim alguns modelos úteis que podemos usar.

O amor eterno ao modelo Spotify

No mundo da Agilidade, o modelo Spotify é como o santo graal da estrutura organizacional. As próprias pessoas que estavam lá quando o modelo Spotify surgiu já disseram que o que o mercado prega ser o modelo Spotify é, na verdade, uma fotografia da estrutura da empresa em um momento fixo no tempo. Só que é uma fotografia útil. Canivete suíço, pau para toda obra da reorganização de times, o grande ganho que temos ao pegar uma estrutura tradicional e “migrar” para o modelo Spotify é que o de-para é razoavelmente simples.

Cada área matricial vira um capítulo, os times são criados de forma multidisciplinar seguindo algumas premissas do Scrum e voilà! Conseguimos sair de uma estrutura 100% tradicional para times Scrum minimamente funcionais.

Qual é a armadilha aqui? Dado que nós não mudamos a hierarquia, não mudamos como as pessoas cobram resultados, não mudamos como a empresa trata seus produtos… isso naturalmente fará emergir outras disfunções que provavelmente estavam bem escondidas, mas que agora vão começar a doer.

O que fazemos com essas disfunções?

A negligência das empresas frente aos propósitos do cliente

O primeiro ponto que é importante esclarecer aqui é que não estamos falando do propósito da empresa. Não estamos falando de missão, visão e valores. Essas coisas são importantes, são legais e tal, mas são uma solução que resolve outros problemas.

O que estamos falando aqui é dos propósitos do cliente ao escolher seu produto. Por que, como pessoa que tem uma conta corrente, eu escolho a NuConta? Ou por que eu escolho o Itaú? Por que tenho um Mac e por que eu prefiro assistir Netflix no fim do dia a fazer os exercícios (que eu deveria fazer para manter minha saúde – se você acha que o maior concorrente de uma academia é outra academia, pense de novo 🤭)?

Cada uma dessas escolhas é guiada por propósitos que o cliente tem. Quando falamos da estratégia de empresas é muito comum que elas foquem apenas no que é importante para o ponto de vista do negócio e negligenciem os propósitos do cliente. Ao longo do tempo, isso torna a empresa incapaz de se adaptar rapidamente ao mercado e de fidelizar clientes por mais do que “oferecer o serviço mais barato”. Por sua vez, isso leva à comoditização do mercado a uma guerra de preço em que todo mundo perde.

Leis de Larman

O que será que todas essas decisões de posicionamento de mercado têm a ver com a definição da estrutura organizacional?

Se você acordou hoje num clima masoquista e está a fim de tomar uns tapas da sobriedade, é só dar uma olhada nas leis de Larman. Todos sabemos que as organizações têm uma dificuldade imensa com a cultura estabelecida e que essa cultura é muito deficiente no olhar para resultado e foco no cliente. Até hoje não entrei em nenhuma empresa que não reclamasse disso. Só que a estrutura das empresas é montada para fomentar uma cultura que mantém esse status quo. Então, mesmo quando há um desejo generalizado de mudança cultural, ela não acontece porque ficamos batendo nas cercas elétricas invisíveis colocadas pela estrutura organizacional.

Note bem, eu de forma alguma estou dizendo “mude a estrutura e a cultura brotará do chão como batatas”. O trabalho de mudança cultural é lento e árduo. O que estou dizendo é que se você quer mudar a cultura, a estrutura precisa ser sua aliada para isso, promovendo e reforçando a cultura que você quer e não atuando como obstáculo para esta cultura.

Um ponto super relevante deste fenômeno é que as soluções que nós construímos também seguirão a estrutura organizacional que estiver montada porque os sistemas, processos e serviços que criamos terão o escopo adaptado para atender essa estrutura. Quem nunca viu aquele monolito que parece um Frankenstein, mas que foi criado porque era um mesmo time construindo múltiplas soluções para vários problemas?

Todo mundo quer dar resultado

Outra coisa que é um padrão conhecido é que nós julgamos as pessoas sempre partindo da premissa que, se deixadas em repouso, ninguém trabalha. Posso afirmar no entanto que, das milhares de pessoas com quem já tive contato profissional, consigo contar nos dedos de uma mão quantas realmente tinham como sonho de vida só bater cartão e ganhar salário. Todas as demais tinham algum nível de frustração porque queriam ter mais propósito no seu trabalho, entregar mais valor, ver um impacto como resultado do seu esforço.

Então, o que está faltando para que isso aconteça?

Quando falamos dos 4 domínios da Agilidade, é esse tipo de resultado que queremos gerar: pessoas engajadas, entregando valor, transformando suas organizações e o mundo. E se a estrutura organizacional é um obstáculo para que isso aconteça, ora, vamos mudá-la para que ela seja um habilitador nesta transformação.

Usando os princípios do Fit for purpose para transformar a estrutura

Imagine que você tem um negócio de soluções de saúde. Você oferece maquinário, aplicativos de monitoramento de pacientes, plataformas de gestão de carteira para médicos e afins. Hoje, existem alguns cenários bem comuns:

Estrutura por especialização

É o modelo mais tradicional baseado em process centricity. Você tem departamentos olhando só o comercial, só marketing, só tecnologia, só financeiro etc. É uma estrutura de ganhos locais, pois dentro de cada área a demanda é tratada com muita eficiência, mas o ganho sistêmico deixa a desejar. O problema é que para acontecer uma entrega de valor que gera resultado de mercado, é necessário envolver quase todas as áreas, e como uma precisa demandar para a outra e esperar retorno, as filas de esperas são infinitas e qualquer entrega ao cliente final leva 6 meses, 1 ano para acontecer. As pessoas se esforçam muito, mas as esperas destroem a agilidade do negócio.

Exemplo:

Estrutura por especialização

Estrutura por segmento de mercado

Este cenário é menos tradicional do que o primeiro. Nele, você tem uma área para cada segmento de mercado. Serei agnóstica aqui e não falarei squad, tribo… usaremos equipe. Hospitais é uma equipe, médicos autônomos outra equipe, fornecedores de equipamentos outra equipe… e assim em diante, mantendo algumas estruturas matriciais, como Jurídico, RH, Financeiro. Uma vantagem deste modelo é que você já deve ter times multidisciplinares dentro de cada equipe de segmento, reduzindo drasticamente as esperas e ganhando na agilidade da entrega de valor ao cliente final.

O problema é que este é um cenário de business centricity, disfarçado de customer centricity. Uma estrutura como esta é montada para maximizar o lucro e extrair ao máximo o dinheiro dos clientes em prol de resultado para os acionistas. Como estratégia de curto prazo, pode funcionar, mas é uma estrutura feita para negligenciar os propósitos do cliente e comoditizar o produto criado. Além disso, você pode acabar tendo rivalidades e duplicidades de solução onde a mesma atenda a mais de um segmento. Desconectado do propósito do cliente, este produto irá sobreviver até que surja outra empresa capaz de atender melhor aquele propósito, a exemplo do Nubank e o mercado bancário brasileiro.

Como a experiência do cliente é deixada em segundo plano, outro sintoma comum é uma qualidade questionável e a manutenção de gambiarras que não param de pé, pois geralmente neste cenário a empresa está correndo atrás de seus concorrentes em vez de inovar por atender muito bem e de forma simples propósitos do cliente que foram até agora negligenciados pelo mercado. Há muitas funcionalidades “porque o concorrente tem”, mas é legal lembrar que o Nubank quando começou sequer tinha aviso viagem e que até hoje a funcionalidade de alteração de endereço não foi priorizada – e ninguém morreu por isso.

Exemplo:

Estrutura por segmento de mercado

Estrutura por jornada

Este é um outro exemplo. Eu tenho uma jornada do cliente em relação ao uso do produto/serviço e busco dar foco a cada um dos pedaços dessa experiência com uma equipe diferente, sendo muito comum relacionar cada etapa com o funil de conversão. Há um foco alto no business centricity, mas a estruturação por jornada força uma visão do cliente bastante influente.

No caso da empresa das soluções de saúde, você teria uma equipe dedicada a aquisição desse cliente, que é o momento em que ele está pesquisando soluções (digamos, de maquinário). Outra equipe olharia o momento em que ele faz o pedido, outra olharia a experiência de uso, outra a experiência de suporte e manutenção, e assim em diante.

O problema deste tipo de estrutura é que ela parte da premissa de que você tem um negócio altamente rentável para poder dedicar equipes exclusivas às etapas da jornada, ou está disposto a fazer um investimento muito alto para colocar uma solução no ar – e por isso está ok com trabalhar em todas as etapas simultaneamente, gerando um alto custo. A experimentação vai acontecer dentro de cada etapa e é bem mais difícil movimentar este investimento entre etapas – os times ficam apegados à visão de produto daquela etapa e a movimentação de capacity entre tribos é dolorosa.

Além disso, para cada tipo de jornada você vai precisar replicar essa estrutura, caso as jornadas sejam incompatíveis entre si. Por exemplo, a jornada de um hospital pode ser semelhante à de um médico, mas é completamente diferente da jornada de um lojista. Isso significa um investimento alto para cada nova jornada, o que pode ou não ser compatível com a estratégia da empresa.

 
estrutura por jornada
Movimentos entre tribos são estimulados, mas podem ser dolorosos.

 

Estrutura por propósitos

Nesta estrutura o que vemos é a troca explícita do business centricity pelo customer centricity. Não que essa estrutura vá abandonar os resultados para o negócio, pelo contrário. Ela será capaz de gerar mais resultados para o negócio porque ela está focada em atender os propósitos do cliente a ponto que ele esteja disposto a pagar mais pelo serviço (vide a campanha dos clientes que se ofereceram para pagar taxas ao Nubank caso ele estivesse em risco).

No caso da empresa de soluções de saúde, cada tipo de propósito geraria uma equipe diferente. Por exemplo: “gerir minha carteira de pacientes” é um propósito que pode atender tanto hospitais quanto pequenos consultórios, possivelmente adaptando a mesma solução core. A grande questão aqui é que o propósito seja bem definido e tenha métricas claras de sucesso para que os times que estão buscando atendê-lo consigam orientar qualquer solução aos resultados esperados.

Usando o modelo Spotify como referência, seria como se cada um desses propósitos fosse uma tribo. Dentro dessa lógica, se eu quero explorar dois segmentos diferentes, eu posso fazê-lo priorizando entre eles com o investimento de um time ou aumentar o investimento para dois times (ou mais) e ter cada um deles trabalhando em um segmento diferente, ou mesmo colaborando para o mesmo segmento. Tudo depende de quanto de retorno sobre esse investimento nós conseguiremos gerar.

Estrutura por propósitos

Falando de métricas, é importante termos definidos tanto os KPIs – aí com o conceito de KPI do Fit For Purpose, onde KPI é a métrica que o cliente olha para escolher o seu serviço ou produto – quanto métricas de saúde que a empresa vai acompanhar, que são transparentes para o cliente.

Métricas de resultado

Neste cenário, as áreas cross entram como patrocinadoras, aportando conhecimento e colaborando com as tribos, alinhando processos, construindo soluções em conjunto e buscando os mesmos resultados que estão definidos nas métricas que a tribo persegue. Para movimentar times entre tribos, este cenário é mais favorável do que o cenário de jornadas, dado que os times poderão identificar oportunidades de ganho e comparar o resultado que cada propósito pode gerar para a estratégia. Com isso, a movimentação é mais facilmente percebida como um movimento para alavancar resultado do que como uma falha do time.

Propósitos e a alta adaptabilidade

Se estamos trabalhando com times multidisciplinares, ou squads, passamos a tratar o time como um átomo: posso ter um time, ou dois, ou três, ou vários trabalhando para alavancar um único propósito. Por isso, no desenho acima temos a representação deste movimento, onde a decisão estratégica é fazer um investimento maior em um propósito que trará mais retorno, alinhado à estratégia da organização.

Uma estrutura fluida como essa que ao mesmo tempo respeita que cada time é indivisível é extremamente benéfica ao Business Agility. O que vemos no mercardo é uma tendência a fazer movimentações como esta na base da urgência e rompendo com as estruturas – como por exemplo deixando que uma emergência tire pessoas boas de um time e colocando em outro, o que joga todas as métricas de performance de ambos os times pela janela e reinicia o processo de formação de ambos os times. O que queremos é que o time sempre evolua e melhore, chegando a um patamar de alta performance. Trocar o escopo em que um time de alta performance atua é apenas um novo desafio para este time triturar. Eles, no entanto, já sabem trabalhar como um time, conhecem seu capacity e entram em conflitos saudáveis para resolver problemas complexos. Times assim são capazes de se adaptar com velocidade e entregar valor olhando para as métricas de resultado. E é este tipo de flexibilidade que queremos para responder às constantes mudanças do mercado.

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Sobre o autor(a)

Agile Expert e Trainer na K21

Consultora, Trainer e sócia na K21, trabalha com estratégia de negócios, produtos, governança e desenvolvimento de performance de equipes há mais de 10 anos. É autora da série de livros O Produto Ágil, e de OKR e estratégia de negócios para transformação (US e BR).

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