Quando estamos falando da transformação ágil de uma organização, é sempre difícil identificar por onde devemos começar. Há várias soluções no mercado que prometem virar uma organização do modelo tradicional de gestão para o ágil, mas quando vamos investigar, descobrimos muitos gaps e frequentemente há baixa aderência da organização ao mindset propício à agilidade.
Aproveite para ouvir este conteúdo sobre transformação ágil com OKR!
Por que modelos fechados não funcionam?
Na K21, falamos muito de BDUF, o conceito de Big Design Up Front, onde você define um plano completo e detalhado de uma solução de forma antecipada. O grande problema do BDUF é que ele vai diretamente contra um dos valores do manifesto ágil, que é adaptar-se a mudanças mais do que seguir um plano. Sempre que investimos muito tempo planejando, criamos apego. Por isso, é doloroso ver uma necessidade de mudança e ter que jogar esse trabalho fora. É muito desperdício, e nesta situação temos 2 cenários possíveis:
- você assume o desperdício e joga a parte do plano que não faz mais sentido fora
ou
- você tenta reaproveitar o plano com alguns ajustes, sem os quais a solução não para mais de pé
Dos dois, o primeiro é o “menos pior”, porque você poderá genuinamente pensar na melhor solução possível, enquanto no segundo o resultado será um Frankenstein, dando muito mais trabalho a longo prazo.
É por isso que evitamos chegar em uma organização com uma ideia pré-definida, ou até mesmo uma receita a ser seguida, de qual será o caminho para viabilizarmos a transformação ágil. Cada organização tem suas particularidades, e usar um processo one size fits all acaba trazendo mais dor do que benefícios.
Evoluções, não revoluções
Outro conceito que vemos com frequência e que é bastante nocivo é o de revolucionar a organização por completo. Essa postura entra em conflito direto com o valor de experimentação do mindset ágil, pois partimos da premissa que mudar a cadeia inteira é possível sem que experimentemos e aprendamos. Revoluções às vezes são necessárias, mas quando estamos tratando uma organização, é imprescindível entender o impacto que estamos gerando nas pessoas. Gerar uma mudança grande em um pequeno time e aprender com ele é muito mais proveitoso do que tentar aplicar uma enorme mudança de mindset na organização inteira.
Para que esta transformação ocorra de forma duradoura, é fundamental que as mudanças sejam feitas em um ambiente controlado, com pequenos experimentos observáveis que permitam aprendizado. Se começamos um movimento de transformação, precisamos acertar primeiro as coisas que não escalam. Começamos com um time, em uma unidade de negócios, e alinhamos que este grupo será cobrado de forma diferente, e terá autonomia e patrocínio para navegar pela organização, buscando remover impedimentos. Assim, a probabilidade de sucesso e contaminação do mindset ágil é muito maior.
Criando uma bolha ágil
Um time ágil dentro de uma organização tradicional certamente irá sofrer. Mas com os patrocinadores e apoiadores certos, ele pode ser o pequeno experimento que prova que é possível mudar a forma de pensar o trabalho dentro da organização. Em contrapartida, uma organização inteira ser só um pouquinho ágil cria muito mais problemas do que soluções, pois ao se deparar com o primeiro obstáculo, como o mindset dos colaboradores não está ainda desenvolvido, a tendência é voltar para o conforto do “foi sempre assim”. É por isso que vemos tantas organizações fazendo o que Jeff Sutherland chama de FrÁgil: o uso de estruturas como squad, sprint, kanban, que não se sustenta pela ausência de mindset.
Para criar uma bolha ágil, é válido entender quem são os patrocinadores da agilidade e o que agrega mais valor para eles, tendo em vista os objetivos e métricas da organização frente ao cliente final.
Com base nisso, é possível montar um primeiro time para rodar ágil, resolvendo os problemas de maior valor. Este time deve ter foco em melhores práticas, em valor de produto, e buscar a criação um ambiente seguro dentro desta bolha.
A experiência deste time vai gerar aprendizado e adaptação. À medida que este time se torne maduro, será possível iniciar o mesmo processo com mais um time, e mais um, até que toda a organização já tenha sido contaminada pela agilidade e reflita: “nossa, não consigo nem pensar em trabalhar como antes”.
Organograma versus Resultados
“A maioria dos negócios de hoje não foi concebido tendo a agilidade em mente. Seus sistemas são altamente acoplados, pois seu crescimento foi orientado por um desejo de eficiência, e não de flexibilidade.
Dave Gray, Autor de A Empresa Conectada
Nossa mente é estranha. Quando falamos de produtos, usamos muito a analogia do médico, criada pelo Rafael Sabbagh, fundador da K21: se um paciente chega no médico e pede um medicamento, o médico responde “aham, tá bom” e começa a investigar o que pode estar causando aquele problema. E ele está certo em fazê-lo, porque o paciente, bem no fundo, não quer o remédio. Ele quer resolver o problema, independentemente do como.
Quando estamos falando de produtos e processos, o mesmo se aplica: um patrocinador, diretor ou chefe cobra os times em cima da quantidade de coisas que eles entregam, mas na verdade, ele está tentando chegar em um resultado de negócios. Seja o % de retenção de clientes, o volume em R$ do faturamento, ou o tempo de atendimento, este gestor não quer mais entrega, e sim que o resultado seja atingido (saiba mais sobre Métricas Ágeis aqui).
Por isso, quando estamos falando de transformação ágil em uma organização, o maior desafio de mudança de mindset é fomentar que todas as camadas, do C-Level ao estagiário, tirem o foco da eficiência e passem a medir eficácia. Mas geralmente as organizações que querem fazer transformação ágil começam o processo discutindo como será o novo organograma.
O organograma, assim como o remédio, é a solução, e não o problema que estamos tentando resolver. Mudar o organograma sem fazer experimentação é como pedir Novalgina para uma dor no pé, cuja causa você desconhece. Se você estiver com uma infecção, a Novalgina não só não resolve, como mascara o problema.
Para que seja possível experimentar e dar autonomia aos times e, ao mesmo tempo, dar visibilidade à organização do papel de cada um dentro do processo, precisamos focar nos problemas que realmente precisamos resolver: alcançar os resultados de negócios da organização.
Enquanto estivermos olhando apenas entrega e focando em eficiência sem nos preocupar com eficácia, estaremos construindo o caminho para nos tornarmos dinossauros apavorados.
OKRs
“Sucesso não é marcar uma caixinha. Sucesso é ter impacto. Se você completa todas as tarefas e nada melhora, isso não é sucesso.”
Christina Wodtke (Coach de OKR)
Uma forma de criar este foco nos resultados de negócios que precisamos alcançar é através de OKRs (Objectives and Key Results, ou seja, objetivos e resultados chave). A organização irá definir a visão de objetivos que têm a alcançar. Estes objetivos devem ser inspiradores, com um valor claro, ambiciosos e um pouco desconfortáveis. A partir deles, serão definidas métricas de sucesso a serem atingidas dentro de um período.
Exemplo:
Imagine que uma empresa de investimentos quer expandir seu mercado atacando o segmento de clientes que têm pouco dinheiro para investir. Para isso, ela estabelece um objetivo que tenha valor também para seus clientes, e as métricas de sucesso a curto prazo:
Objetivo | Conscientizar trabalhadores sobre como guardar dinheiro no dia a dia |
---|---|
Métrica 1 | Dentre nossos usuários, aumentar a taxa de economia média em 5% após 2 meses de uso dos nossos serviços nos próximos 3 meses |
Métrica 2 | Aumentar o volume de clientes que fazem algum novo investimento no mês em 10% nos próximos 3 meses |
Métrica 3 | Aumentar nossa base de clientes em 5% nos próximos 3 meses |
Com base nestas informações, as áreas desta empresa de investimentos podem propor seus próprios objetivos e métricas orientados a ajudar a empresa a alcançar os OKRs corporativos:
Área | Objetivo | Métricas |
---|---|---|
Operações | Eu, Robô: não depender do atendimento humano | Nos próximos 2 meses, 70% dos clientes iniciantes atendidos no call center passarem a usar o app para tirar dúvidas após recomendação feita no atendimento. |
Reduzir volume de rechamadas de um cliente iniciante em 25% nos próximos 3 meses | ||
Marketing | Ser o oráculo de investimentos | Nos próximos 3 meses, publicar 50+ vídeos com mais de 20.000 visualizações dentro da mesma semana.
Nos próximos 2 meses, alcançar a marca de 10.000 inscritos no canal |
Quer casar comigo? | Nos próximos 30 dias, aumentar a taxa de conversão de leads em clientes, de 5% para 10% | |
Manter custo de aquisição abaixo de R$7 | ||
Comercial | Auxiliar os clientes na economia e investimento do seu dinheiro | Alcançar uma base de 5.000 pessoas usando a funcionalidade de sugestões de economia e investimentos nos próximos 3 meses |
Aumentar a taxa de conversão de novos clientes para investidores de 30% para 50% nos próximos 2 meses |
Agora cada time poderá fazer seus experimentos para descobrir como alcançar estes objetivos nos próximos 2-3 meses, com total autonomia.
É importante lembrar que os OKRs não devem ser usados como ferramenta para alimentar a cultura do medo. Se um time não alcançar um OKR mas conseguir tirar um grande aprendizado da tentativa, isso é normal e desejado. Quantas vezes já vimos um novo produto ou campanha ser lançado e não atingir o volume de vendas projetado? A grande diferença aqui é que os experimentos devem ser de curto prazo, com várias iterações ao longo destes 2-3 meses e, portanto, o time terá uma oportunidade maior para errar rápido e aprender rápido, corrigindo o curso.
O time, o Product Owner ou quem estiver responsável por priorizar as hipóteses a serem testadas deve manter a organização alinhada sobre quais hipóteses estão sendo testadas e quais resultados sendo obtidos. Desta forma, permitimos que a estrutura organizacional passe a servir aos objetivos, e não o contrário. A busca por resultados fará emergir um organograma fluido que realmente funcione, e que todos os colaboradores comprem, porque ele faz sentido como solução.
Cuidado: OKR também não é uma bala de prata. Como qualquer ferramenta, ela pode ser usada de forma a distorcer comportamentos. Marty Cagan inclusive dá o alerta de que se cobrarmos muito fortemente de um time que alcance uma determinada meta, pode ser que não gostemos da forma como este time conseguirá alcançá-la. Desta forma, temos que sempre manter um espírito crítico e questionador, usando o empirismo para entender o que é melhor para cada organização.
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