Enquanto gestor de times, sempre procurei uma forma de verificar o quão satisfeitas estavam minhas equipes no trabalho que elas desempenhavam. Uma preocupação constante era encontrar quais seriam os pontos de insatisfação e como poderíamos melhorá-los.
Em meados de 2015, um grande amigo, Michel Kovacs, me apresentou um método de pesquisa de satisfação de times utilizado pelo Spotify, o Squad Health and Check Model. Podemos traduzi-lo como Modelo de Verificação da Saúde do Time (ou Esquadrão, se você preferir).
Antes de começar, gostaria de colocar a seguinte equivalência: Squad = Time = Grupo de pessoas unidas em prol de um objetivo. Já vi tantas definições dadas para Squad que não consigo mais contar. Fico com essa equivalência porque ela é a que mais se aproxima do conceito apresentado por Henrik Kniberg. Você pode vê-lo aqui e aqui (ambas em inglês). Também recomendo esse vídeo que explica a cultura em que foi criado o dito “Modelo Spotify”.
O que apresento aqui é uma técnica para avaliar a satisfação das pessoas que trabalham com você. Contando também um pouco da minha experiência ao utilizá-la.
Você verá que ela se parece com o Radar da Satisfação. A grande vantagem que vejo aqui é que você terá a avaliação de critérios-chave, mas, além disso, você também poderá ver uma tendência de melhora ou piora para cada critério e isso é muitíssimo importante para compreender a percepção do time.
Como funciona o Health and Check
Vamos agora compreender os componentes do modelo antes de aplicá-lo
Problema que queremos resolver
Nossos times são compostos de diversas pessoas que têm diversas origens, diversas percepções e diversas perspectivas.
Seria muito bom se pudéssemos entender e tratar cada uma delas, mas o recurso mais escasso do mundo, o tempo, não permite.
Então, enquanto gestores, facilitadores e membros do time temos que descobrir quais são os pontos de insatisfações comuns às pessoas que participam dos times para poder tratá-los e, com isso, aumentar a satisfação deles com o trabalho.
Áreas de Avaliação do health and check
O primeiro passo é definir quais os possíveis pontos de insatisfação e também satisfação. No modelo sugerido por Kniberg eles chamam esses pontos de Áreas de Avaliação. São pontos comuns que permeiam o trabalho do time.
O autor provê uma lista que você pode utilizar como base. Todavia, ela não é exaustiva e obviamente não é definitiva. Para adaptá-la e aperfeiçoá-la, você pode fazer a seguinte pergunta: “Quais são as principais áreas que geram satisfação e insatisfação no meu time?”
Abaixo, apresento a lista original. Mas fique atento a três fatos importantes: 1) o artigo é de 2014, 2) a empresa é uma desenvolvedora de software 3) e é o Spotify. Serve como uma boa referência, mas não é a sua empresa e não estamos mais no ano em que ele foi lançado. Adaptações podem ser necessárias.
As áreas sugeridas são: Fácil para Entregar, Processo Adequado, Qualidade técnica (integridade/saúde da base do código), Valor (resultado entregue), Velocidade, Missão, Diversão, Aprendizado, Apoio e Peões ou Jogadores.
Você pode sugerir outras. Algumas podem ser um quebra-gelo, por exemplo: cafezinho, happy hour na sexta-feira etc. Outras podem ser o que o time identifica como áreas desafiadoras como Relacionamento com o Cliente, Transparência, entre outras.
Escala de Avaliação
Uma vez que você definiu as áreas, escolha a escala de avaliação. Quando rodei em um time pela primeira vez, utilizei uma escala que ia de 1 até 10 para cada fator. Não recomendo porque as pessoas acabam com dificuldade de diferenciar o que seria um 3 de um 4 ou um 7 de um 8.
O melhor são escalas mais curtas de 1 até 3 ou de 1 a 5. A melhor experiência que tive foi de 1 até 4 (escala par). Porque você remove o valor neutro e obriga a pessoa a dizer se está satisfeita ou insatisfeita com a área.
Significado dos valores limite (do Horrível ao Incrível)
Além da Escala, para o health and check, você deverá informar o significado dos valores de limite superior (Que coisa incrível!) e inferior (Que coisa horrível!). Se estivermos utilizando a escala par, de 1 até 4, o horrível seria a nota 1 e o incrível seria a nota 4. Para esta etapa, apresentarei as áreas e significados dados por Kniberg.
Vale aqui reforçar alguns aspectos importantes. O Kniberg aplicou esses valores no Spotify. Uma startup sueca que na cultura dela admitia um conteúdo bastante jocoso.
Avalie bem se o linguajar e códigos utilizados são compatíveis com a cultura da sua empresa. Caso não seja, adapte. Você já sabe, mas não custa lembrar, a Spotify é uma empresa de desenvolvimento de software. Dependendo do que a sua empresa faz, adaptações serão necessárias.
Área | Horrível | Incrível |
Fácil para entregar | Entregar é arriscado, doloroso, exige muito trabalho manual e leva uma eternidade. | A liberação é simples, segura, indolor e quase sempre automatizada. |
Processo adequado | Nossa maneira de trabalhar é horrível | Nossa maneira de trabalhar nos encaixa perfeitamente |
Qualidade técnica | Nosso código é uma pilha de esterco, e a dívida técnica está furiosamente fora de controle | Estamos orgulhosos da qualidade do nosso código! É limpo, fácil de ler e tem grande cobertura de teste. |
Valor | Nós entregamos lixo. Temos vergonha de entregá-lo. Nossos stakeholders nos odeiam. | Nós entregamos ótimos produtos! Estamos orgulhosos disso e nossos stakeholders estão muito felizes. |
Velocidade | Parece que nunca terminamos nada. Ficamos presos ou somos interrompidos o tempo todo. Os itens de valor ficam presos nas inúmeras dependências. | Concluímos as coisas muito rapidamente. Sem esperas e sem atrasos. |
Missão | Não temos ideia do porquê estamos aqui. Não há um panorama claro ou foco. Nossa suposta missão é confusa e pouco inspiradora. | Sabemos exatamente por que estamos aqui e estamos muito animados com isso. |
Diversão | Chaaaaattttoooooo!!!! | Adoramos vir trabalhar e nos divertimos muito trabalhando juntos |
Aprendizado | Nunca temos tempo para aprender nada. | Estamos aprendendo muitas coisas interessantes o tempo todo! |
Apoio | Continuamos “travando” porque não conseguimos o apoio e a ajuda que pedimos. | Sempre tivemos grande apoio e ajuda quando solicitamos! |
Peões ou Jogadores | Somos apenas peões em um jogo de xadrez, sem influência sobre o que construímos ou como o construímos. | Estamos no controle de nosso destino! Nós decidimos o que construir e como construir. |
Tendência
Além da avaliação, você perguntará para cada membro do time uma tendência para cada área de avaliação. Eles poderão optar da seguinte forma:
-1 = Acho que estamos piorando
0 = Acho que não estamos nem melhorando e nem piorando
+1 = Acho que estamos melhorando
Aplicando o modelo
Uma vez que já vimos a estrutura do health and check agora vamos aplicá-lo em uma dinâmica. Ela é grande e gosto de dividi-la em 2 dias para que não seja muito cansativa. Já dividi esse exercício em um período de manhã e outro a tarde, mas não foi tão proveitoso.
O primeiro dia é o de coleta de resultados, tendências e discussões. O segundo dia é para apresentação de resultado, priorização do problema e plano de ação de melhoria.
Para facilitar, você pode desenhar um quadro físico ou utilizar alguma ferramenta digital para fazer um quadro virtual, por exemplo, Slice, Mural ou Miro.
A primeira vez que a rodamos, enviamos as perguntas através de um formulário para os membros do time. Entretanto, fazendo isso perdemos um rico momento de discussões.
Abaixo, segue um exemplo do quadro de health and check com as áreas, linhas para escolha de valores e quadros de tendência para cada área logo abaixo de cada linha.
Dia 1: coleta de resultados, tendências e discussões
Durante a dinâmica, cada componente do time deverá escolher um valor na escala de avaliação e no quadro de tendência para cada área que está sendo avaliada.
Aqui há alguns pontos de reflexão importantes para não tornar essa dinâmica maçante. O ideal seria que cada pessoa falasse sobre o quê a motivou a selecionar cada valor. Entretanto, aquele recurso escasso, o tempo, continua escasso.
Além disso, as discussões podem ficar longas e chatas. Sua reflexão deve ser sobre:
Tamanho do time: Com times pequenos, é possível que todos falem e tenha uma discussão rica. Times médios ou grandes, se todos falarem sobre tudo, a discussão demora muito.
Por exemplo, em um time com 7 pessoas, se cada uma falar 1 minuto durante os 10 itens, utilizaremos no mínimo 1h10m. Tem o tempo de transição, o tempo que alguns vão ultrapassar, na prática vai levar mais de 2 horas só nessa parte.
Quando os times são grandes, gosto de pedir que as pessoas que selecionaram os valores mais próximos do limite inferior (horrível) falem. Já dos mais próximos ao incrível, eu peço que apenas uma delas fale, pois o nosso objetivo é melhorar o trabalho do time.
Pessoas sucintas e prolixas no time: É quase certo que tenha alguém que goste de falar mais. Isso pode ser bom, mas também pode ser que essa seja a pessoa que monopoliza a discussão.
Utilize o conceito de time-box, para limitar a discussão de uma área. Se a pessoa monopolizou a discussão, na próxima área comece dizendo algo como: “Já que JUQUINHA falou mais na área anterior, agora ele estará no final da fila da discussão do próximo item”.
Curto ainda mais dizer isso, antes de começar esse momento de discussão para que ninguém seja pego sem aviso.
O tempo que você tem disponível para executar a dinâmica também é um fator muito relevante.
Tempo dos membros do time: O ideal é reservar 2h do dia deles dedicado para isso.
Se necessário, reduza a quantidade de áreas avaliadas, pois a discussão trará informações muito importantes. O seu objetivo enquanto facilitador da dinâmica é capturar algumas frases-chave que as pessoas estão utilizando. No final do dia você terá um quadro mais ou menos assim e suas anotações.
Você pode calcular o resultado. Utilizaremos a média porque ela pode absorver a alteração da composição do time com a chegada ou saída de pessoas.
Área | Resultado | Tendência |
Fácil para entregar | (3 x 4 + 2 x 3) ÷ 5 = 3,6 | (3 x 0 + 2 x 1) ÷ 5 = +0,4 |
Processo adequado | (1 x 3 + 2 x 2 + 2 x 1) ÷ 5 = 1,8 | (3 x -1 + 1 x 0 + 1 x 1) ÷ 5 = -0,4 |
Qualidade técnica | (5 x 4) ÷ 5 = 4 | (4 x 0 + 1 x 1) ÷ 5 = + 0,2 |
Valor | (4 x 3 + 2 x 1) ÷ 5 = 3,2 | (1 x -1 + 3 x 0 + 1 x 1) ÷ 5 = 0 |
Velocidade | (4 x 4 + 1 x 3) = 3,8 | (4 x 0 + 1×1) ÷ 5 = + 0,2 |
Missão | (2 x 4 + 1 x 3 + 1 x 2 + 1 x 1) ÷ 5 = 2,8 | (3 x -1 + 2 x 0) ÷ 5 = -0,6 |
Diversão | (5 x 3) ÷ 5 = 3 | (2 x 0 + 3 x 1) ÷ 5 = +0,6 |
Aprendizado | (1 x 4 + 2 x 3 + 1 x 2 + 1 x 1) ÷ 5 = 2,6 | (1 x 0 + 4 x 1) ÷ 5 =+0,8 |
Apoio | (1 x 2 + 4 x 1) ÷ 5 = 1,2 | (5 x -1) ÷ 5 = -1 |
Peões ou Jogadores | (2 x 4 + 3 x 2) ÷ 5 = 3,4 | (3 x 0 + 2 x 1) ÷ 5 = 0,4 |
Dia 2: apresentação de resultado, priorização do problema e plano de ação de melhoria
Se você estiver trabalhando com um time presencial e tiver habilidade de desenho, pode desenhar os resultados. Caso não a tenha, uma ferramenta de planilhas como Excel ou Google Spreadsheets pode ajudar bastante.
Não há uma forma única de apresentar esses resultados. Abaixo seguem algumas que utilizei e causaram os melhores impacto nos times:
Gráfico Resumido
As áreas foram ordenadas da mais bem avaliada (verde) para a mais mal avaliada (vermelha). Esse gráfico possui duas representações no eixo Y. A primeira fica ao lado esquerdo e varia de zero até quatro. É ela que dá o tamanho da barra e representa o resultado da avaliação.
A segunda fica do lado direito e varia de -1 até +1. Ela dá o tamanho da seta que é o resultado da tendência. Quanto maior a tendência maior a velocidade que estamos caminhando para a superfície (próximo a +1) ou para o abismo (próximo a -1).
Caso a tendência seja zero, estamos estacionados (nem piorando e nem melhorando).
Tabela de Valores Ordenados pelo Resultado
A apresentação anterior é boa e dá um bom impacto visual, mas confesso que prefiro o formato de tabela porque ele é muito mais prático.
Apresentação individual da área
Independente do formato resumido que você escolheu, gosto de apresentar área por área no formato abaixo:
Aqui gosto de apresentar através de ferramentas de Slides como o Microsoft Powerpoint ou Google Presentation.
Repare que ele é composto pelo título da área de avaliação e mais três seções de informação:
1) Resultado da avaliação com os valores limites (Incrível e horrível).
2) um gráfico gauge (embora seja um gráfico de calibre, gosto dele porque parece um “velocímetro”) que apresenta a tendência.
3) Uma seção com três ou quatro frases impactantes que capturei do time durante o momento de discussão.
Priorização do Problema
Temos 10 áreas e uma capacidade limitada para fazer melhorias. Logo, priorizar é essencial. A área de insatisfação mais crítica é aquela que tem a pior avaliação e tem uma tendência negativa mais elevada.
Olhando para a Tabela 3, é um tanto obvio que o nosso pior problema está relacionado ao Apoio, pois ele tem a pior avaliação (1,2) e a tendência de piora é altíssima (-1). Esse é o nosso pior problema.
Ainda no mesmo exemplo, o nosso segundo pior problema é a inadequação do processo, pois ele tem uma avaliação ruim (1,8) e o time aponta para uma tendência de piora (-0,4).
No caso, a dúvida deve surgir com o terceiro item. No nosso exemplo, o Aprendizado tem o valor da avaliação igual a 2,6 e a Missão 2,8. Entretanto, a tendência de melhora do aprendizado é de 0,8, logo o time está percebendo que estamos melhorando nesse ponto.
Talvez o nosso trabalho de gestão ou facilitação desse time seja apenas garantir que as ações que geraram essa tendência continuem acontecendo.
Todavia, temos um grande problema com a Missão. Embora a avaliação dela seja maior, o time identifica que estão cada vez mais sentindo que seu trabalho não possui um foco.
A minha ordenação de problemas seria: do pior para o melhor.
Perceba que não está ordenado nem por resultado e nem por tendência. Eu fiz uma pequena inversão e coloquei valor logo depois da missão.
Essa decisão foi motivada porque a tendência dele é neutra e pode ser que entre em queda se eu não vigiar. Não é que o time terá ações sobre ela, mas, para gestão / facilitação desse time, temos que ter isso no nosso “radar”.
Plano de Ação
Sei que todos gostam de planos de ações bem elaborados e cheios de detalhes. No final dos planos temos o nirvana e não haverá mais dor e sofrimento. Sedutor, mas inverídico.
Gosto de Planos de Ação bem enxutos e focados. Minha definição de enxuto é qual é A ação que faremos para melhorar esse ponto de insatisfação. Isso mesmo. A ação no singular. Com o resultado dela, podemos rapidamente avaliar os resultados e planejar A próxima ação.
Se a primeira ação for puramente investigativa e rápida. Digamos: “Descobrir quais são as pessoas que precisamos para apoiar nosso trabalho e porque elas não estão disponíveis”. Ótimo! Na próxima semana ou até mesmo durante a semana corrente, já podemos selecionar qual a pessoa de apoio mais importante e planejar alguma ação de melhoria junto dela. Como diria o pessoal de testes: “tudo com baby steps (passos de bebê)”.
Minha definição de foco neste caso seria: É melhor tomar ações apenas no pior problema. Se o time sair com ações para duas ou mais áreas, a chance de dispersar se torna grande e é possível que na próxima retrospectiva ao invés de falarmos sobre resultados das ações de melhoria, ouviremos desculpas porque elas não foram feitas.
Adaptando um pouco a frase do Rafael Sabbagh, poderíamos dizer que um bom direcionador de Plano de ação é: Qual é a ação que ajuda a resolver a parte mais importante do meu problema mais importante dessas pessoas tão importantes?
Tente respondê-la em uma ou pouquíssimas ações, colete o resultado do impacto causado e planeje o próximo ciclo de ações. Utilize a agilidade para melhorar a agilidade de seus times.
Conclusão
Com o health and check você terá um diagnóstico do ecossistema do seu time e poderá atuar nas áreas que mais o agridem. Você também saberá quais os seus pontos fortes e isso poderá te ajudar na gestão / facilitação. Experimente, depois nos diga aqui pelos comentários quais os resultados você obteve.
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