A forma de pensar de cientistas e agile coaches pode ter mais em comum do que talvez a maioria de nós reconheça. Na minha busca por conhecimentos dentro destes dois campos de estudo, observei que nas frases de um dos mais populares cientistas do século XX, podemos aprender muito sobre a mentalidade que precisamos para promover a transformação ágil em empresas.
Carl Sagan foi um cientista que contribuiu para um grande número de avanços da comunidade científica como, por exemplo, o melhor entendimento da natureza e atmosfera de Vênus, a descoberta de oceanos em algumas luas de Saturno e um dos primeiros a falar sobre os perigos do aquecimento global. Para além destas conquistas, foi na sua capacidade de comunicação e despertar a paixão pelo pensamento científico, ceticismo e descobertas do universo que ele se tornou um dos ícones da ciência e cultura pop.
A luta de Sagan pela solidificação da ciência dentro das escolas e instituições de ensino como base fundamental para o desenvolvimento humano, tem uma relação direta com o ambiente e mindset que nós, agile coaches, scrum masters, gestores e todos os agentes de transformação, deveríamos ser capazes de gerar nas empresas. Para refletirmos um pouco mais sobre nossos papéis e a medida em que estamos evoluindo no nosso propósito, gostaria de trazer três citações cruciais do cientista:
1 – “Podemos julgar nosso progresso pela coragem de nossas perguntas e pela profundidade de nossas respostas, nossa disposição de abraçar o que é verdadeiro e não o que é bom”.
Não é incomum acharmos o seguinte cenário em empresas: um time de liderança, agile coaches ou gestores que se orgulham e batem no peito para mostrar, inclusive com gráficos e métricas, como seus times já atingiram o maior nível de maturidade possível.
Sempre nesses casos eu penso nesta frase de Sagan e reflito quais são as perguntas que essa organização está fazendo para estes times. Será que estão enfrentando os problemas mais importantes e tendo a coragem de abraçar aquilo “que é verdadeiro e não o que é bom”? Será que estamos abandonando velhos problemas já resolvidos e partindo para os próximos problemas mais prioritários de acordo com a visão sistêmica do nosso cenário?
Empresas, times e indivíduos que se satisfazem com seu estado atual e não continuam buscando possibilidades de evolução, estão provavelmente afastados de um bom mindset para promover uma transformação ágil. Sempre evito a noção de “copo cheio” ou de que já aprendi tudo que há para aprender. As disfunções e problemas que ainda não sabemos resolver e que são importantes para a continuidade da transformação podem, muitas vezes, estar escondidas sob crenças infundadas, pensamentos de conformismo e zona de conforto, o que nos leva para a nossa próxima citação de Carl Sagan.
2 – “Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar”.
Para que o trabalho de um agente de transformação seja valioso, ele precisa estar ligado diretamente aos resultados das empresas. Um time não quer ser ágil para ser ágil, empresas não investem (ou não deveriam investir) em transformações para simplesmente serem diferentes. Neste processo, empresas estão procurando a diferenciação no mercado, a melhoria de resultados financeiros e não financeiros, a maior satisfação do cliente, a capacidade de inovação e de reter melhores profissionais. Este deveria ser o objetivo.
Ao longo do caminho, entretanto, encontraremos diversas pessoas e estruturas que não desejam mudar, não importa qual dor esteja estressando o sistema ou qual resultado estejam tentando atingir. Pessoas que nos dizem “nós já tentamos tudo isso antes” ou “isso não dá certo aqui”. Estas pessoas e suas crenças, como Carl Sagan coloca na sua frase, não chegaram até onde estão necessariamente através das evidências e clareza de suas tentativas e experimentos, mas sim por estarem inseridas num sistema instaurado há muito tempo e que sempre beneficiou e promoveu outros comportamentos, completamente diferentes daqueles que busca-se cultivar num ambiente ágil.
O grande aprendizado aqui é que, se não entendermos muito bem esse sistema de crenças e como ele chegou até aqui, não seremos capazes de desmontá-los. O antigo desenvolvedor tem uma profunda necessidade de acreditar que seus conhecimentos ainda são necessários para a empresa. Os diretores e gerentes possuem uma profunda necessidade de manter seus geridos em seu comando e controle, pois assim, a sua presença ainda é justificada. A área de testes mantém uma profunda necessidade de controle sobre a qualidade, pois é a única com capacidade para avaliar tal assunto.
Pessoas que nasceram, cresceram, estudaram e se formaram numa lógica industrial de mercados estáveis e de baixa variabilidade ainda não quebraram suas crenças e aceitaram a realidade do mundo VUCA (acrônimo inglês que traduzido é Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade) em que vivemos hoje. No meio do medo da mudança e do desconhecido é que as crenças se tornam ainda mais importantes para estas pessoas, como um pedaço de terra no meio do oceano que está gradativamente sendo coberto pelas ondas da mudança.
O que nós, como agentes facilitadores dessa mudança, podemos fazer para construir um ambiente seguro para que antigas e novas pessoas contribuam positivamente para os resultados que queremos gerar? Revolucionar ou evoluir? Empatizar ou estressar? Todas essas são perguntas fundamentais do nosso dia a dia e achar a estratégia correta pode significar a diferença entre sucesso ou retrocesso no movimento de transformação ágil das empresas em que trabalhamos.
3 – “Ausência de evidência não é evidência de ausência.”
Enfim, chegará o momento em que não temos respostas para certos problemas. Nunca vivenciamos isso antes, tampouco nada consta nos livros. E neste momento é que esta frase de Carl Sagan se torna muito importante.
Somente 4% do universo hoje pode ser observado ou estudado por cientistas. Existem 96% do nosso universo que não podemos ver, detectar ou sequer compreender. Este número poderia levar muitos cientistas a desistir e parar onde estamos. Oito mil anos depois do nascimento da primeira civilização humana conhecida, e nós ainda estamos em 4%. Mas o principal fator que nos mantém motivados e caminhando é a compreensão de que estamos cada vez, mais rapidamente, aprendendo sobre tudo que não compreendíamos antes.
Não é por falta de evidência anterior sobre tantas das coisas que hoje entendemos e praticamos na agilidade, que indivíduos extraordinários deixaram de trabalhar coletivamente, baseados na busca por resultados, para trazer ao mundo novas e revolucionárias formas de trabalhar e gerar valor para negócios.
Organizações que estão passando por transformações ágeis terão, quase sempre, pessoas apegadas às verdades universais, exemplos perfeitos, balas de prata e fórmulas mágicas. E quando estas não funcionarem ou permanecem ineficazes por muito tempo, crenças serão desenvolvidas de que certas coisas são como são. A busca por uma cultura de experimentação que permita validar todas as nossas incertezas e gerar as evidências de melhoria, principalmente pautadas em resultados de negócio, é um dos principais objetivos das lideranças dentro da transformação ágil. Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias.
Transformação ágil – Conclusão
As ideias difundidas por Carl Sagan e tantos outros cientistas nesta jornada de entendimento do nosso universo são fundamentais na minha carreira profissional onde tento resolver problemas e ajudar a desenvolver pessoas e organizações através do True Agile. Espero que desperte o mesmo sentimento em você!
“Curiosidade e o ímpeto de resolver problemas são as marcas registradas da nossa espécie.”
Carl Sagan (2012). “Dragons of Eden: Speculations on the Evolution of Human Intelligence”, p.81